Quem já teve que reclamar alguma coisa por telefone à operadora telefônica ou simplesmente recorrer a algum serviço de telemarketing sabe muito bem o que é padecer nas mãos do gerundismo, ‘nós vamos estar contatando o senhor, novamente, depois que o sistema voltar ao ar… nós vamos estar providenciando… nós vamos estar checando as informações”, são algumas das frases mais comuns que não dizem nada de concreto, ouvidas do outra lado da linha, ditas por vozes impostadas, treinadas ou eletrônicas que usam um tempo verbal importado da língua inglesa e que soa pessimamente!

  Pior que ouvir é constatar que vivemos numa cultura ‘gerúndica’. Por um lado são os políticos sempre prometendo um arrazoado de avanços sem cumpri-los e as ‘estrelas fugazes’ que nem curso básico de teatro fazem e que estão brilhando na mídia e, por outro, nós, tentando viver, tentando dirimir os problemas quotidianos que se precipitam sobre nós e nos impedem, tantas vezes de usar verbos como consegui, conquistei, trabalharei, falhei, recomeçarei, amei, servirei, perdoei.

  Ao ler a Bíblia nos deparamos com Deus que fala a Abraão: ‘farei de ti o pai de uma multidão de povos’ (Gn 17,5); que se revela a Moisés: ‘Eu sou, o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’ (Ex 3,6), e que se declara ao povo escolhido: ‘É meu povo de Israel, esses homens que farei nascer sobre o vosso solo; serás a sua posse e herança, e não os privarás mais dos seus filhos (Ez 36,12). O Deus de Israel não fala no gerúndio!

  No Novo Testamento Jesus, o Verbo de Deus, assim como o Pai, também não fala no gerúndio. Seu ensinamento é claro, objetivo, exeqüível e não dá margem para interpretação dúbia: Amai-vos, perdoai, orai, vigiai, isto é o meu corpo, isto é o meu sangue, eis que venho em breve, em verdade em verdade vos digo, o zelo da tua casa me consome etc.

  Diante da força destas palavras eternas, constatamos que Deus não está fazendo Obra Nova, mas “Ele faz Obra Nova, a qual já surge, não a vedes?”, como diz o texto do profeta Isaías. O Senhor não está nos salvando ou nos amando, Ele nos salvou e nos ama. Ele não está vindo em breve, e sim, eis que em breve Ele vem. Não existe contingência ou coisa impossível a Deus. Ele é Aquele que É, o mesmo ontem, hoje e sempre, o Alfa e o Ômega, o Verbo eterno, constantemente presente e que converge em si mesmo passado e futuro.

  A verdade é que nós somos contingentes, somos seres necessitados. Nossa linguagem não poderia ser diferente. Ela expressa toda a nossa limitação. Por conta disso, faz-se necessário haurir do Verbo de Deus a linguagem da Caridade que não fica esperando irmos a Ele, mas que, resolutamente, vem a nós e nos envia a amar e servir sem protelar.

  A cultura do ‘gerundismo’, reflexo de nossos tempos de relativismo prático, demonstra a falta de objetividade e, o pior, a falta de sentido de vida. Nossa cultura, infelizmente, nos mal acostuma a permanecer na indiferença e no ódio, vivendo vidinha mais ou menos, amargando desilusões, joeirando palavras vãs. A cultura do Verbo Encarnado, ao contrário, nos faz ir, nos põe em movimento, em ação, estabelece metas e objetivos, circunscreve o tempo, abre-nos novos horizontes.

  Quem insiste em permanecer vivendo em círculos, sem ordenar sua vida para o amor não descobre o que é viver a fascinante aventura do amor, eterno movimento de doação e reciprocidade, contínua passagem do gerundismo para o verbo, do estado néscio para a virtude.

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Vanderlúcio Souza

Padre da Arquidiocese de Fortaleza. À busca de colaborar com a Verdade.

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