As mãos disputam espaço em meio ao tecido santo. Mesmo com o cansaço da madrugada, os fiéis fazem questão de permanecer junto ao símbolo de devoção. Muitos rezam e agradecem e alguns até choram. Tudo para estar perto da bandeira franciscana. Às 4h da manhã de hoje, teve início a edição 2015 da Romaria de São Francisco das Chagas, em Canindé, a 126 km de Fortaleza. A estimativa da Paróquia é de que cerca de 60 mil devotos participaram da solenidade de abertura

A celebração da missa é o momento culminante da programação, que tem início com caminhadas dos moradores da região durante a madrugada até a sede do município.

Ainda na tarde de quarta-feira, comunidades rurais de Canindé e de regiões vizinhas organizaram as tradicionais peregrinações, dos locais onde moram até a Basílica de São Francisco, pelo 30º ano consecutivo.

Os festejos foram iniciados em frente ao santuário, com uma celebração eucarística presidida pelo pároco e reitor do santuário frei Marconi Lins, além do hasteamento das bandeiras e do espetáculo de fogos de artifício. Um dos franciscanos mais fervorosos era Chico da Hosana, ele repete o ritual de se postar ao lado da bandeira de São Francisco, segurando-a, ajudando a erguê-la e ficando ali durante toda a missa. “Tenho muita fé. Ele já me livrou da porta da morte”, diz, revelando já ter tido a vida em risco por dois momentos, em acidentes automobilísticos. “Por isso, pago minha penitência: não largar a bandeira enquanto eu for vivo. Ano passado, até desmaiei no pé do mastro”, lembra, emocionado.

A dona de casa Francisca Íris Maia, de 69 anos, saiu da localidade de Ingá, em Caridade, às 17h de quarta-feira, e só chegou à Basílica depois de 3h30 de quinta-feira. Vestida de franciscana, ela participou da caminhada pela primeira vez. “Meus pés estão doendo muito, mas vim pagar minha promessa”, disse, sem revelar a graça alcançada.

Quando é preciso, nem dormir na rua assusta os romeiros. O agricultor Francisco Tomé da Silva Dias, de 78 anos, chegou à meia-noite da quarta-feira, junto com a esposa, Ana Francisca da Silva, de 66 anos, e Juliane Dias, de 9 anos, todos moradores da comunidade de São Domingos, também no município de Caridade. Deitados sobre pedaços de papelão, eles se protegiam do frio com lençóis. Desde os 10 anos, Francisco repete o ritual de vir caminhando até Canindé, para ver a abertura da romaria. “Todo ano, venho a pé. Comecei a vir com meu pai”, explica. “É muita fé em São Francisco”, completa a esposa, também fervorosa.

São Franciscos e Franciscas que não fazem cerimônia em caminhar quilômetros ou dormir no chão a céu aberto em um gesto de humildade e gratidão junto ao santo protetor.

Caminhar entre o aglomerado que se forma nos dias de festa é esbarrar não com pessoas, mas com histórias de fé, devoção e cura em virtude das graças de São Francisco das Chagas. Existem graças de todo tipo, que não devem ser julgadas em grau de importância, já que cada pessoa traz em si a própria realização pessoal, sempre por intermédio do padroeiro.

‘’Eu tenho até vergonha de falar, porque parece besteira, mas foi importante para mim. Uma graça que São Francisco me ajudou a conseguir foi aprender a ler e fazer meu nome. Era algo que eu sempre quis saber e tenho certeza que o santo me ajudou’’, afirma Maria Vieira Sobrinho, de 64 anos, que veio da cidade de Viçosa do Ceará com mais de 25 pessoas.

Durante a homilia, frei Marconi Lins destacou que a festa deste ano celebra a vida de Francisco, na alegria de viver o evangelho. “A festa de Canindé é do romeiro”, afirmou.

O pároco pediu que os fiéis orassem pela paz. “Somos chamados a externar essa paz nos nossos relacionamentos. A sairmos do comodismo, do medo, das incertezas e fazermos a nossa caminhada, buscando a verdadeira paz e alegria de viver”, pregou o sacerdote.

Segundo frei Marconi, a prece segue o tema da festa este ano, “São Francisco, a alegria de viver o evangelho jeito jovem de evangelizar, promovendo a paz”. “A Paz é fruto da Justiça”. “Vivemos em mundo em que a violência é muito grande, as drogas, a corrupção. Se a humanidade se unisse mais, procurasse praticar mais a solidariedade, com certeza, a gente teria uma vida mais cheia de paz”, destacou o frei.

Em dez dias de festa, que segue até o dia 4 de outubro, a organização da romaria prevê a passagem de cerca de 2,5 milhões de fiéis por Canindé. De hoje até o dia 3 de outubro, ocorrem procissões com o painel do santo que comemora 125 anos pelas ruas da cidade, sempre às 17h30, tendo como destino a Praça dos Romeiros onde são celebradas as novenas.

Durante a romaria, serão celebradas 100 missas, 21 procissões, 09 vias-sacras, oito mil confissões e 40 padres que se revezarão nas obrigações da festa.

Nas comemorações, a Paróquia de Canindé comemora este ano, 198 anos de fundação, além de 358 anos da Comunidade da Província Franciscana no Brasil, 257 anos das origens da devoção a São Francisco e 806 anos da Ordem Franciscana no Mundo. 100 anos do novo santuário, 100 anos da Arquidiocese, 100 anos da Igreja de Cristo Rei e 10 anos da inauguração da estátua de São Francisco.

Mais que desvendar o caráter histórico da romaria ao santo do sertão é importante refletir sobre a experiência de vida que se esconde sobre esses fatos. Desde ontem, a cidade concentra um grande número de fieis vindos de Tocantins, Maranhão, Piauí, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará, que aproveitam esse período para reverenciarem o santo dos pobres e dos milagres.

Os abrigos estão com seus espaços ocupados. Os peregrinos chegam em grande escala. O comércio já sente o aquecimento das vendas. ‘’Estar em Canindé é estar em paz com a própria alma. Aqui a religiosidade transforma a nossa vida cristã’’, ressalta o romeiro Francisco Araújo Moreira da Silva de Tocantins.

COMO SURGIRAM AS CAMINHADAS: As caminhadas da madrugada que antecede a abertura da Festa de São Francisco têm origem no movimento das famílias de se reunirem para ir a Canindé pagar promessas. Com o passar do tempo, as comunidades foram se organizando e, por meio do rádio, passaram a anunciar para as mais distantes o local, a hora e o trajeto que deveriam seguir até o município de Canindé.

Em 1986, sentindo o crescimento das procissões, o vigário da época, frei Lucas Dolle, deu poderes aos coordenadores de Pastorais para motivar e organizar a romaria a pé. Dez anos depois, surgiram os conselhos dos Serviços Fraternos da sede e da zona rural, que passaram a organizar um plano de ação para as caminhadas. Neste ano, foram cinco roteiros de caminhos.

Milhares de peregrinos chegaram ainda no começo da madrugada desta quinta-feira à Praça da Basílica para a abertura oficial dos Festejos da Romaria de São Francisco das Chagas, que se estendem até o próximo dia 4 de outubro. Nas rodovias de acesso à sede, grupos caminhavam no meio do escuro ou seguindo paredões de som tocando hinos ou cânticos em louvor ao patrono dos pobres e humildes.

Nas entradas da cidade, os canindeenses deram um exemplo de solidariedade: havia distribuição gratuita de lanches, como cachorro-quente e sopa, além de água e refrigerantes, e as boas-vindas aos romeiros.

Por volta das 4h da manhã, os frades franciscanos deixaram o interior da Basílica em direção ao altar e deram início à cerimônia. O pároco de Canindé, Frei Marconi Lins, carregou a imagem de São Francisqüinho para exibição aos devotos. Houve o hasteamento das três bandeiras (Brasil, Canindé e São Francisco), enquanto a banda da cidade do maestro J. Ratinho tocava os hinos de louvores. O prefeito Paulo Justa, hasteou a bandeira de Canindé, e, foi prestigiado por Secretários e vereadores, que estiveram presentes durante a cerimônia, marcada por um clima de muita fé e emoção e que terminou por volta das 6h da manhã.

O ponto alto das festividades; às homenagens dos 100 anos do novo santuário, onde os franciscanos mostraram a importância da Basílica para o povo nordestino.

Mais informações
Santuário de São Francisco das Chagas
Praça da Basílica
Canindé
Telefone: (85) 3343.0774

Portal C4 Notícias
Fotos e Texto: Antônio Carlos Alves