Foto: Dário Matos (divulgação)

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A banda cearense Selvagens à Procura De Lei vem conquistando os quatro cantos do Brasil com a turnê “Praieiro” e se confirmando, a cada dia, como um dos mais novos grandes nomes do rock nacional no século XXI. Além dos shows por todo o Brasil, o grupo tem participado de grandes projetos, como a comemoração de 31 anos da rádio 89, com tributo ao Charlie Brown Jr. e a participação na coletânea “Viva Renato Russo 20 anos”. Como resultado de todo esse sucesso, o single “Tarde Livre” bateu a marca de 1 milhão de execuções no Spotify.

O Selvagens volta a Fortaleza no dia 25 de novembro, para apresentação na barraca Biruta, junto da banda O Rappa e de RAPadura Xique-Chico. O repórter Daniel Tavares conversou com Gabriel Aragão, vocalista e guitarrista da banda, sobre a vida na estrada, sobre os novos desafios para o futuro da banda, sobre o que é ser “brasileiro” em 2016 e até sobre o Nobel do Bob Dylan, entre vários outros assuntos. Confira abaixo a entrevista completa.

Daniel Tavares: A turnê do “Praieiro” tem passado por todo o Brasil, capitais e cidades do interior. Vocês já estavam fora de casa (Fortaleza) há alguns anos e agora estão ainda mais, uma vez que também deve fazer um bom tempo que não retornam a casa em São Paulo. A referência de “casa” é um pouco perdida, não? A “casa” passa a ser um quarto diferente de hotel ou um avião diferente a cada dia, não? Como tem sido essa vida de estrada?

Gabriel Aragão: Não é a noção de “casa” que fica no ar na estrada, é a de “rotina”. Nossa “casa”, hoje em dia, é em São Paulo, como você disse. Fortaleza é nossa terra natal. Lá, sempre nos sentimos em “casa”.  Realmente, a referência é um pouco perdida. Mas o que faz falta na estrada é a rotina. O dia-a-dia com a sua família, os horários, o controle de como você usa o seu tempo… Eu, pelo menos, sou bem apegado a isso, e a estrada não dá brecha. A estrada é imprevisível. Você está à mercê dos hábitos de cada cidade que passa. Por outro lado, é incrível conhecer tantas pessoas e lugares diferentes em tão pouco tempo. Você vive rápido na estrada.

DT: Quero que vocês contem mais algum fato engraçado ou comovente dessa vida de estrada. Em Florianópolis, foram ao hospital visitar um fã com câncer, por exemplo, mas não se restrinjam a isso.

GA: Recentemente, a #TourPraieiro esteve no Nordeste. Primeiro nas capitais (Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa) e depois no interior da Paraíba (Sousa e Patos) e do Ceará (Juazeiro do Norte). Essa parte do interior foi uma surpresa. Conhecemos uma galera massa, super antenada em política e música. Além disso, várias pessoas se diziam produtoras de evento. Eram muitos produtores pro tamanho da cidade! Inclusive um cara de Sousa que era conhecido (profissionalmente) por Capiroto (???). Hehehe!

DT: Vocês ainda conseguem fazer coisas normais, tipo ir ao cinema, ver um jogo de futebol?

GA: Claro! Sempre! A gente não pode abrir mão disso por nada no mundo.

DT: Como tem sido a recepção do público em todas as cidades que tem passado?

GA: O público dos Selvagens é muito carinhoso e super grato por tocarmos na cidade de cada um. É uma troca de energia especial que rola na estrada. Essa etapa do Nordeste foi reveladora. Foram os melhores shows nessas cidades que citei. Também estivemos no Rio de Janeiro pela quarta vez esse ano. Nossa relação com público carioca só aumenta. Dessa última vez, tocamos no Rio Novo Rock, no Imperator. Um show pra lembrar pra sempre. Nossa volta por lá já tá agendada pro ano que vem.

DT: Existe algum lugar no Brasil que vocês queiram muito ir, mas ainda não tenham tido a oportunidade?

GA: Porto Alegre, Manaus, Rio Branco, Macapá, Vitória… São Luís, Belém, Cuiabá… Campo Grande, Teresina, Palmas… Boa Vista, Porto Velho… Existem vários festivais nessas capitais que nós gostaríamos muito de levar o som da #TourPraieiro (que se estenderá por 2017). Mas também, como falei anteriormente, o interior é caixinha de surpresas… E ainda temos muito a desbravar em cada Estado desse país.

DT: E planos para o exterior? América do Sul, Estados Unidos, Europa?

GA: Sempre. A gente quer chegar na Europa ou nos EUA através de um festival. Mas temos consciência dos nossos irmãos da América Latina ao lado. Não dá pra ignorar. Às vezes as bandas lutam tanto pra chegar na Europa, pelo glamour de estar lá, quando poderiam estar criando um público super fiel na América Latina. Nós dos Selvagens, ainda não saímos do Brasil porque acreditamos que ainda tem muito Brasil pela frente. Por enquanto, é questão de escolha.

DT: Vocês gravaram o clipe de “Tarde Livre” no Mara Hope [um navio que há muitos anos está encalhado na orla de Fortaleza e, de certa forma, já faz parte da paisagem do lugar]. Na verdade, eu passo ao lado dele todos os dias, mas nem imaginava que desse pra subir lá até ver o clipe. Eu quero que vocês me”curem dessa desinformação” contando detalhes sobre como foi pra gravar lá, como foi subir lá, tiveram que pedir autorização a algum órgão público, tomaram vacinas, sentiram medo? Pra começar, comentem como surgiu a ideia de gravar lá e todos os detalhes da preparação.

GA: Foi uma ideia louca que deu certo. Sentimos um medo sinistro, sim. Mas até isso foi bom, porque não tivemos que atuar o “medo”. Hehehe. Quem nos deu a dica foi o artista Narcélio Grud, que havia pintado o Mara Hope.

DT: O Nicholas surpreendeu todo mundo com seu vozeirão em “Despedida”, do segundo álbum. No Praieiro ele tem cantado bem mais. O que isso tem representado a banda?

GA: Representa o que a gente queria que a banda fosse: quatro caras com personalidades fortes que, juntos, formam uma banda. Daqui pra frente, os Selvagens serão cada vez mais assim.

DT: Agora todo mundo canta. Falta só o Caio assumir algum vocal principal. Ele (você) tem essa vontade? Vocês tem esses planos?

GA: Eu adoraria ver o Caio cantando uma no disco que vem.

DT: Falando de planos, depois dessa longa turnê, quais são os planos de vocês? Novo disco, longas férias, um DVD?

GA: Longas férias certamente que não! Hehehe. A #TourPraieiro segue em 2017. Queremos registra-la em Fortaleza no próximo ano e lançar em alguns formato (DVD? Sim… Mas em breve não estaremos mais falando de “DVD”…). Além disso, gravar um single inédito pra soltar em algum momento. Tudo isso serve pra ganhar tempo pra compor o quarto álbum.

DT: Cada disco de vocês é bem diferente um do outro. Eram até um tanto “adolescentes” no primeiro, depois veio o segundo com uma maturidade absurda e até um pouco de pessimismo (e não há qualquer conotação negativa nestas colocações) e agora vem um pouco mais de leveza, abundância de referências à boa música brasileira, experimentações com estilos que vocês ainda não tinham abordado. Vocês acham que, a cada disco, estão se encontrando cada vez mais e descobrindo coisas que sequer sabiam sobre si mesmos? Comente a evolução da banda, as mudanças de direcionamento, etc…

GA: É exatamente esse processo de descoberta que você citou. Pra isso rolar, você tem que se permitir viajar pra dentro de si, redescobrir influencias suas que até então não foram traduzidas em músicas da banda. Esse sempre foi o objetivo dos Selvagens à Procura de Lei. Por isso, cada disco é diferente um do outro. Eu detestaria fazer algo parecido com o que eu já fiz. Todos nós pensamos assim. Pra que se repetir? Tenho o maior respeito às bandas e aos artistas que escolhem um estilo e seguem navegando por eles, mas não é o nosso caso. O mundo é muito grande e cheio de cores para experimentar. Queremos olhar pra trás e sentir que curtimos muito do que é possível curtir enquanto banda, tocando junto, como irmãos.

DT: Nessa evolução constante, vocês já conseguem ver como será o quarto disco dos Selvagens?

GA: Pro quarto disco, temos esse desafio bem claro já: nos redescobrir como banda, surpreender primeiro a nós mesmos e, depois, o público. Será diferente de tudo o que fizemos, mas será Selvagens à Procura de Lei.

Foto: Dário Matos (divulgação)

Foto: Dário Matos (divulgação)

DT: Em 2016, 2017, 2018, com downloads ilegais, serviços legais de streaming, youtube, ainda compensa lançar discos, pensar num álbum como uma obra que retrata um momento da carreira e da própria vida de vocês?

GA: Esse conceito de obra nunca vai morrer. O que muda é o formato. O que muda é falar em lançar um DVD ou um CD… Essas coisas. Na verdade, acho que o conceito de obra nunca esteve tão forte pra quem cria. Basta olhar pros anos 90, quando havia aqueles “Bônus-track”. Po, aquilo era horrível. Hoje em dia rola um reviva de tudo. Mas é um reviva saudável. Estamos voltando a admirar o que importa ser admirado. Aprendendo com o melhor do que havia nos anos 60, 70, 80…

DT: Agora me dei conta de que nunca falamos sobre Heavy-Metal. Não é o estilo de vocês, mas eu gostaria de saber se algum de vocês curte, se é fã de alguma banda…

GA: A galera da banda curte mais do que eu. Eu fico mais no BLACK SABBATH e no METALLICA, mas não vou muito mais longe do que isso…

DT: Eu gosto de comparar vocês com outras bandas cearenses que foram pra São Paulo, como Mafalda Morfina, Jonnata Doll, Artur Menezes (agora nos EUA). Enxergo também uma conexão com artistas como Fagner, Belchior, Ednardo, que fizeram sucesso no Brasil depois de ir para o Sudeste. Vocês também enxergam essa conexão? Vocês tem algum relacionamento com essas bandas da nova geração? E o quão importantes foram aqueles pioneiros na sua vida e carreira?

GA: Todo mundo se conhece, mas cada um segue um caminho diferente. Para completar sua lista, tem gente muito boa de Fortaleza como ASTRONAUTA MARINHO, PROJETO RIVERA, OTO GRIS, DAN CHÁ, VERÔNICA DECIDE MORRER… Existe uma cena nova rica e plural. Tenho muito orgulho de fazer parte dela. Falando da turma mais velha, como não admirar essa galera? Se não fossem eles, nosso Ceará não estaria em tantas letras, e o caminho para as novas gerações seria mais difícil. Gostaria de citar o FAUSTO NILO, Graco e Caio Braz… Além dos, não velhos assim, claro, CIDADÃO INSTIGADO.

DT: Ter músicas suas na trilha sonora de novelas, de filmes, além de sinal de sucesso ajuda bastante a fazer com que pessoas que ainda não os conhecem passem a conhecê-los. O quão importante isso é pra vocês? Comente um pouco sobre isso.

GA: Quando formas diferentes de arte se encontram é uma celebração, um grande encontro. Adoro trilha sonora. Gostaria de participar mais e mais desses encontros.

DT: Vocês despontaram no cenário nacional assim como algumas bandas que vocês admiravam. Agora, até já estão influenciando o aparecimento de outras bandas. O que isso representa pra vocês?

GA: Dar o seu exemplo é melhor que você pode fazer. Nós seguimos o exemplo de tantas bandas que vieram antes de nós. Perceber que a nossa história ajuda, de certa forma, a novas bandas seguirem os seus caminhos é gratificante demais.

DT: E vocês participaram recentemente do projeto “Viva Renato Russo 20 Anos”, tocando  “Geração Coca-Cola”. Eu gostaria que vocês comentassem um pouco mais sobre o projeto, sobre essa canção, sobre o LEGIÃO URBANA. [SELVAGENS À PROCURA DE LEI, SUPERCORDAS, BALEIA, VESPAS MANDARINAS e PLUTÃO JÁ FOI PLANETA são algumas das doze bandas que participam da coletânea. A obra já está disponível para streaming digital. Selvagens à Procura de Lei proporcionou uma nova releitura do clássico “Geração Coca-Cola”, do primeiro álbum da Legião Urbana, o homônimo lançado em janeiro de 1985].

GA: A LEGIÃO é uma das bandas mais importantes do país e tem um lugar especial no meu coração. Escrever letras em português, pra mim, veio depois de ler RENATO RUSSO, CAZUZA e os próprios LOS HERMANOS. Regravar “Geração Coca-Cola” foi um desafio que topamos junto com o Yuri Kalil na produção. Decidimos não refazer o que a LEGIÃO fez, porque é impossível soar como eles. Nós só podemos soar como os SELVAGENS. E escolhemos esse caminho. Uma releitura. Gostei muito do resultado.

DT: A geração coca-cola cresceu, teve filhos, entrou na política e hoje parece estar dividida num fla-flu nas redes sociais, nos bares, em qualquer lugar, esquerda x direita, petralhas x coxinhas, “pinguins, tucanos e estrelas poentes”… um partido saqueou o país, mas os que o puseram pra fora não o fizeram para o bem da nação, aplicaram um golpe para aplacar investigações e poder fazer em paz o que aquele primeiro partido fazia… Teve até gente defendendo a volta da ditadura. E quem batia panela antes, hoje se cala, como na letra daquela canção. ” Mas você não precisa se importar tanto com isso. Quando esse tapa se for terminado está o serviço. Pode crer, bote fé, tudo vai voltar ao normal. Não era isso que você queria ouvir afinal?” Pra vocês, o que é ser “Brasileiro” hoje? É sentir que “puxaram a sua rédea”, de uma forma diferente, todos os dias?

GA: Ser brasileiro hoje é cruel. Mas, se você pensar bem, sempre foi. É injusto. Um país lindo e rico como o nosso alimentar tanta pobreza material e de espírito. Espero que a sede por justiça e a antipatia contra a corrupção só aumentem. Espero que a nossa geração conectada pela internet sirva para destruir os preconceitos gigantescos e de todas as ordens que ainda existem na nossa cultura. Espero que a gente deixe um Brasil melhor do que o Brasil que recebemos para os nossos filhos.

DT: Gabriel agora também está assinando uma coluna (Chegadinha, no SomosVoz). Será mais uma forma de se comunicar com o público, falar coisas que não é muito fácil falar nas músicas? Poderia comentar um pouco sobre o que pretende com a coluna?

GA: Embora a música se faça presente na minha vida desde o início através dos meus pais, escrever é algo primário, pra mim. Nas músicas que eu faço, primeiro surge o tema, depois as frases e os versos, depois a música. Nas parcerias com a galera da banda, acho que minha melhor contribuição é na letra. Então, é algo que eu realmente adoro fazer. Poder me comunicar com o público dessa outra forma é algo que eu desejava há bastante tempo, porque não tem nada a ver com letra de música. Os temas que tenho guardado na gaveta podem virar texto ou letra de música, mas nascem no mesmo lugar e ficam naquela fissura, esperando o momento certo de se transformar. A Chegadinha vai servir pra isso. Pra que eu bote pra fora temas que eu adoraria falar. Espero que seja tão bom para o público como está sendo pra mim.

DT: Você, Gabriel, tem pretensões de se aventurar ainda mais nesse universo, de escrever sem ter que necessariamente ter uma conexão com alguma música, escrever livros, etc?

GA: Pretensão existe, sim. Mas ainda tem muito chão, muita leitura, muita escrita, antes de que escrever um livro. Os temas, como eu falei, estão sempre se acumulando na gaveta. Um dia, quero que um desses temas vire livro. Ou um roteiro, por exemplo. Tenho lido muito sobre roteiros nesses dias (para quadrinhos, filmes…). O mais importante é chegar nas pessoas no formato certo. Eu tenho o maior respeito pela palavra escrita, pela língua portuguesa. Sou até muito chato com isso. Mas essa chatice toda é amor. Hehehe.

DT: E por falar em literatura, Bob Dylan acabou de ser escolhido como o Nobel de Literatura de 2016. Gostaria de comentar sobre isso e sobre mais essa aproximação desses dois mundos que já são bastante próximos?

GA: Tava comentando justamente que se o Bob Dylan ganhou esse prêmio, outra pessoa que merece um reconhecimento do mesmo tamanho é o Chico Buarque. Ele é um patrimônio brasileiro. O que ele fez pela nossa língua “brasileira” é eterno, é brilhante, é único. O Chico transcreveu a nossa voz, nossas raízes. E o que falar de Bob Dylan? Ele é um poeta louco do rock. O caminho que ele abriu nunca será fechado.

DT: Vamos finalizar mais esta entrevista com mais uma mensagem para os fãs. O espaço é seu, convide os fãs para mais shows da turnê “Praieiro”, etc.

GA: A #TourPraieiro segue incansável, suada e quente! Vamo curtir com os Selvagens essa troca de energia que tem rolado pelo Brasil!!!

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Ronnald Casemiro

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