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“Desculpe o Transtorno” não aposta em nada de novo. Rapaz branco de classe média-alta, insatisfeito com a vida sem nem notar, se vê em uma situação-limite que desencadeia um transtorno dissociativo de identidade – comumente conhecida como “múltipla personalidade”. O diferencial da obra de Tomas Portella (“Qualquer Gato Vira-Lata”) é que, para além do personagem principal, a obra mira em toda uma gama de coadjuvantes com vidas pouco amadurecidas. Isso e os clichês na “guerra” entre paulistanos e cariocas.

Eduardo (Gregório Duvivier) era uma criança perfeitamente feliz que se dilacerou ao ter de escolher entre a vida no Rio de Janeiro junto à mãe e em São Paulo com o pai (Marcos Caruso). Passados alguns anos de uma monocórdia vida de trabalhador paulistano, ele é atingido pela notícia da morte da mãe e viaja de volta à sua cidade natal. Lá, mais uma vez pressionado por uma escolha, ele é acuado por Duda, seu “eu” carioca.

Com um elenco de apoio afiado, principalmente no charme desajeitado de Barbara (Clarice Falcão) e no humor sem graça de Charles (Daniel Duncan), o filme contrapõe os clichês entre o “malandro carioca” e o “sério paulistano”. Aquela disputa secular que ninguém fora do eixo Rio-São Paulo se importa. Existe coisa mais chata do que vizinhos discutindo as peculiaridades um do outro? Eu sinceramente não podia me importar menos sobre quem põe ketchup na pizza ou quem não põe.

Clarice Falcão salva boa parte do filme

A atuação monótona de Duvivier não ajuda muito no desenvolvimento do roteiro. Focado mais nas inflexões de sotaque do que em diferenciação dos maneirismos, o ator faz com que Eduardo (o paulistano) e Duca (o carioca) sejam igualmente monótonos. A diferença é nos interesses românticos dos dois. Viviane (Dani Calabresa) é um poço de clichês machistas sobre mulheres “grudentas”. Barbara é uma descrição específica de características que homens dizem querer em seu par. Acaba que a escolha de Eduardo/Duca fica óbvia dentro do maniqueísmo do roteiro.

Paralelamente, o filme tem investimentos interessantes. A direção de fotografia, bem mais robusta do que o costume de comédias, contrapõe bem as linhas retas de São Paulo e curvas dos morros do Rio. A trilha musical, com um tema central como vértice, consegue se reinventar guiando o olhar do espectador – salvo alguns excessos dramáticos, que funcionam quase que como legenda. O elenco de apoio traz ainda alguns dos melhores momentos do filme, como a participação de Marcos Veras como um sujeito com 19 personalidades. Se o timing é bom, o clichê funciona.

O centro da trama, inclusive, é uma geração entre os 25 e 35 anos e que insiste em não crescer. De um lado, os pais que construíram sua vida do trabalho. Do outro, sucessores muito mais bem resolvidos. No meio, gente como Eduardo e Barbara, que passam dos 30 sem saber no que são bons. É um ápice dramático forte e bem pontuado que, infelizmente, passa meio batido por entre tentativas forçadas de fazer rir.

Afinal, no fundo, “Desculpe o Transtorno” é uma obra veloz, que deixa poucas marcas ou sequelas. O humor, tanto quanto repetitivo, é combatido pelo carisma de alguns personagens. Como não amar uma personagem que permite se apaixonar pelo sujeito que tentara roubar sua bicicleta? Mas o charme, numa comédia, carece ainda de um riso mais aberto do que o de constrangimento.

andrebloc@opovo.com.br

Cotação: nota 4/8


Ficha técnica:
Desculpe o Transtorno (BRA, 2016). Comédia Romântica. 97 minutos. 12 anos. De Tomas Portella. Com Gregório Duvivier, Clarice Falcão e Dani Calabresa.

Filme em cartaz em Fortaleza no UCI Kinoplex Iguatemi, UCI Shopping Parangaba, Cinépolis RioMar, Del Paseo, Cine Benfica, Centerplex Via Sul, Kinoplex North Shopping.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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