Tom Hanks e Felicity Jones

Tom Hanks e Felicity Jones

“Inferno” consegue, magistralmente, se pôr a altura de seus antecessores, “O Código Da Vinci” (2006) e “Anjos e Demônios” (2009). Somados os três, o espectador já terá desperdiçado cerca de 408 minutos da própria existência vendo um trio de filmes formulaicos e unidimensionais. Talvez a única vantagem de “Inferno” é que, com duração de 121 minutos, o longa dura menos.

Baseados nos romances best-seller de Dan Brown e dirigidos por Ron Howard (dos ótimos “Rush: No Limite da Emoção”/2013 e “Frost/Nixon”/2008, entre outros), os filmes contam “tramas maravilhosas” de “conspirações milenares” investigadas pelo “genial professor” Robert Langdon (Tom Hanks). Isso e alguns outros clichês. É sempre uma fórmula em que alguém se depara com um mistério (de Da Vinci, bíblico, dantesco), liga para o protagonista, que se propõe a juntar as pistas. Langdon, então, precisa mastigar tudo que vê para a acompanhante e vomitar conhecimento enciclopédico sobre a cultura milenar europeia (em especial a italiana).

Dessa vez, o personagem acorda sem memória em um hospital em Florença (Itália), sendo cuidado pela dr. Brooks (Felicity Jones, apática). Juntos, eles precisam desvendar uma caça ao tesouro temática sobre o segmento “Inferno”, da “Divina Comédia” de Dante Alighieri (1265 – 1321). O “jogo” foi arquitetado por um bioengenheiro bilionário recém-morto. Caso Langdon e Brooks falhem, um vírus vai ser lançado na atmosfera e matará cerca de 4 bilhões de pessoas – o que, para o bilionário seria a salvação da raça humana.

Nesse ínterim, há ainda uma misteriosa empresa de segurança e a Organização Mundial de Saúde (OMS), que parecem querer matar Langdon. Propositadamente, o longa joga o público em meio à confusão e com pouquíssimas informações. A ideia é fugir dos detalhes para que ninguém note o quanto o roteiro é furado.

Também estamos decepcionados com você, Tom

Também estamos decepcionados com você, Tom

Se a fórmula literária mais utilizada por Dan Brown é a estrutura pontuada de cliff-hangers – cortes no ápice de uma sequência tensa -, no cinema Ron Howard nem mesmo se preocupa com isso. É tudo meio desleixado e afixado em diálogos para conclusões previsíveis. Por exemplo, dois especialistas em Dante encaram uma projeção do inferno de Dante e perdem minutos até encontrar inconsistências – ou pistas, como o roteiro bobo se refere a elas. Na confusão do personagem desmemoriado, um longo elenco de apoio é apresentado, o que só ajuda a aumentar a confusão na trama. Acaba que o ápice do filme é um embate dos protagonistas com um vilão que nem nome tem. Já Ignacio, amigo citado desde a segunda sequência do longa, nunca dá as caras na trama.

Mais do que todos os diretores da atual geração, Howard parece capaz de compartimentar suas criações. De um lado, longas de qualidade inegável como “Rush” (2013). Do outro, lixos mastigáveis como os três filmes baseados em obras de Dan Brown. É até louvável ver tamanho desleixo de um diretor que parece só filmar aquilo pelo contracheque. A já citada cena final de ação é tão, mas tão poluída que a gente quase deseja estar se afogando nas águas de Istambul (Turquia). Quiçá seja mais confortável do que aguentar uma câmera cambaleante.

Para além de tudo, a fórmula do roteiro parece repetida pela terceira vez. Com perdão do spoiler, mas o plot twist de “Inferno” é quase igual aos de “O Código Da Vinci” e “Anjos e Demônios”. No primeiro, o personagem de Ian McKellen é o traidor. No segundo, o papel cabe a Ewan McGregor. Agora, ficava óbvio que haveria uma nova traição. E como a única personagem aprofundada é Brooks, é óbvio que se tratava de Felicity Jones.

Porque, acima de tudo, os filmes do professor Robert Langdon menosprezam o espectador até o limite. São filmes que investem em referências medievais para esconder o conteúdo inócuo. Fingem-se de inteligentes para não mostrar o vão de qualidade. É como aquele político sem conteúdo, mas que traveste a retórica de verborragia para tentar convencer quem não presta atenção no discurso. É triste. Mas certo está Howard, que guarda as energias para os seus filmes que valem a pena ser vistos.

Cotação: nota 2/8

(andrebloc@opovo.com.br)

Ficha Técnica
Inferno
(EUA, 2016), de Ron Howard. Aventura/Drama. 121 minutos. Com Tom Hanks, Felicity Jones, Omar Sy.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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