Jamie Dornan como o Comandante Pat Quinlan

Jamie Dornan como o Comandante Pat Quinlan

Histórias fascinantes fazem filmes fascinantes? Nem sempre. Entre as diversas partes que formam uma obra cinematográfica, o roteiro, ao lado das atuações, é facilmente a mais notável. “Jadotville”, longa-metragem de guerra exclusivo da Netflix, é recheado de méritos e boas intenções. A oportunidade de fazer jus às forças de paz irlandesas que durante décadas foram pintadas como covardes é boa demais para se excluir. Só que o inferno está cheio de boas intenções.

A base do roteiro é a Guerra Fria, no auge na década de 1960, e os conflitos da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga. O filme se inicia com uma estranha narração em off do primeiro-ministro congolês, Lumumba, minutos antes de ser assassinado. A ideia é mostrar que o líder queria estatizar as riquezas do País (uma medida alinhado aos comunista), enquanto os interesses norte-americanos e franceses se aproximam da exploração capitalista. No meio disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta evitar uma Terceira Guerra Mundial.

Ou seja, é muito contexto. E esse excesso de “base” é a ruína de “Jadotville”. A trama principal segue a guarnição irlandesa liderada pelo Comandante Quinlan (Jamie Dornan). Virgens de conflito, eles têm no “chefe” um literato viciado em tática. No primeiro ato, o filme se debruça sobre a personalidade do protagonista — o único a ser totalmente definido. Como grande parte dos longas de guerra, “Jadotville” tenta apresentar a dinâmica do grupo e até acerta em determinados momentos, como na cena em que todos são vacinados antes de viajar à África.

O filme se passa em Jadotville, província do "Congo"

O filme se passa em Jadotville, cidade do Congo

Paralelamente, o filme acompanha as negociações e estratagemas do enviado irlandês para negociações da ONU, Conor Cruise O’Brien (Mark Strong). A ideia é contrapor o idealismo da força de paz com o cinismo dos objetivos da ONU, que pretendia “impor” a paz no Congo e depor o Moise Tshombe (Danny Sapani), usurpador do poder na província de Katanga. Alheio aos golpes, Quinlan e seus 150 homens são alvos fáceis para um exército de mercenários franceses enviados pelo general francês Charles De Gaulle. Aliás, em um diálogo artificial e surreal, em que um acuado líder congolês intimida o presidente da França. A ideia era criar um vilão intimidador, mas incluir De Gaulle nesse ínterim é uma forçação de barra.

A parte política da trama se foca no didatismo para mastigar todas as ações militares que ocorriam no Congo. O único problema é que, em nenhum momento, fica claro o porquê de milhares de mercenários atacarem uma pequena guarnição da ONU repetidamente. Afinal, outras forças de paz ocupavam espaços do déspota congolês e ele insistia em atacar um plantel mínimo que protegia o nada.

E pior, o falatório intenso (e sem direção) “come” espaço de tela da guerra em si, a parte que funciona bem no longa. Definido como esse sujeito fascinado por táticas, Quinlan toma atitudes pouco usuais e mostra, claramente, o quanto um líder inteligente consegue mudar o fluxo de uma batalha. A direção de fotografia vez por outra cai em clichês (homem correndo de bomba, excesso câmera subjetiva), mas consegue se impor em sequências de tirar o fôlego.

A obra perpassa o contexto da Guerra Fria nos anos 1960

A obra perpassa o contexto da Guerra Fria nos anos 1960

O único porém da parte militar do longa é que, com pouco tempo, não conhecemos os comandados de Quinlan. Entre eles, o único que se destaca é Bil “Sniper” Ready (Sam Keeley), que, ironicamente, é definido pelo sua função de atirador de elite (sniper, em inglês). Assim, fica claro que cada personagem ali existe para cumprir uma função, já que não sabemos quais são os laços entre eles.

Os defeitos, porém, não tiram dois méritos imensos de “Jadotville”. O primeiro é de mostrar o lado heroico de uma força da paz vista como covarde desde a década de 1960 até o início dos anos 2000. O segundo é expor as idiossincrasias próprias dos líderes, seja o secretário-geral da ONU ou um déspota congolês. De certa forma, a noção de uma força mantenedora da paz contra uma força impositora da paz fica bem definida. E, de quebra, o filme ganha certos paralelos com a atuação do exército brasileiro para manter a paz no Haiti.

(andrebloc@opovo.com.br)
Cotação: nota 4/8.

Lançado no dia 7 de outubro, exclusivo na Netflix.

Ficha técnica
Jadotville (IRL/AFS, 2016), de Richie Smyth. Com Jamie Dornan, Mark Strong e Michael McElhatton.

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About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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