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Doutor Estranho é um bom filme. Dito isso, é importante lembrar que ele é, antes de tudo, um herói emblemático. Surgido em 1963, nos quadrinhos, tem uma das histórias de origem mais interessantes da Marvel, principalmente por fugir da categorização rasa em que se enquadram esses personagens fantásticos. No cinema, é uma das peças-chave do que deve se desdobrar nas próximas narrativas. Mas até lá, assim como todo grande herói, o Mago também tem um ponto de partida e isso a Marvel faz muito bem.

O Doutor Stephen Strange, interpretado por Benedict Cumberbatch, é um neurocirurgião extremamente vaidoso até se encontrar em uma jornada de cura no universo das artes místicas. Ele parte para Catmandu, no Nepal, em busca de recuperar a capacidade que lhe foi tirada. Lá, conhece a Anciã, a Maga Suprema da Terra, com enorme conhecimento sobre os tipos inimagináveis de magia, incluindo o lado mais oculto da coisa. Apesar da personagem de Tilda Swinton ser uma versão ocidental do Ancião criado há mais de cinco décadas por Stan Lee e Steve Ditko, é substancialmente semelhante.

doctor-strangeAté aí, Doutor Estranho já sugere ser um ponto de virada dentro do Universo Cinematográfico da Marvel. O filme subverte, essencialmente, a experiência apresentada desde que o estúdio introduziu Homem de Ferro, há oito anos. A cinematografia parte não só da viagem astral baseada nos quadrinhos, mas do que há de mais estabelecido no cinema de ficção-científica como referência, a exemplo da psicodelia de 2001: Uma Odisseia no Espaço. E isso fica mais preciso à medida que os 115 minutos de tela passam.

A decisão do diretor Scott Derrickson de começar o longa já com o choque da realidade espelhada, indicando as dimensões paralelas e quebrando as regras do mundo conhecido como real é eficiente. Derrickson, com os co-roteiritastas Jon Spaiths e C. Robert Cargill, permite que o espectador mergulhe na jornada humana com uma breve ideia do que se desenvolve no ato seguinte.

Nada disso seria possível não fosse pela parceria com o responsável pelos efeitos especiais, Stephane Ceretti. Os planos caleidoscópicos, representando as possibilidades dimensionais criam um ambiente surrealista completamente verossímil dentro do que se propõe. Claramente referenciado nas explorações do infinito de Escher. Os efeitos são, de longe, um dos maiores atrativos da produção que durou quatro anos para ser concluída. Quase uma ode sessentista, como o Doutor Estranho é em essência, capaz de passar por distração num olhar desatento.

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Tão peculiar quanto o Estranho é o elenco. Cumberbatch (Sherlock) está em excelente forma, seja em cena com Tilda Swinton (Precisamos Falar Sobre Kevin) ou se redescobrindo no fluxo da trama. Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão) cria bem a base do que Mordo vai se tornar, além do peso que Mads Mikkelsen (A Caça, Hannibal) dá a um personagem pequeno como Kaecilius.

Mais surpreendente é ver Christine Palmer, interpretada por Rachel McAdams (Spotlight), ganhar projeção no cinema. Longe de ser uma mocinha esperando salvação – coisa que Derrickson sabe bem, está saturada – é uma versão transformada das Enfermeiras Noturnas que, nos idos dos anos 70, prestavam assistência médica aos super-heróis. Coisa que a Marvel soube se apropriar muito bem nos títulos da Netflix, em que transita Claire Temple (Rosario Dawson). As moças, aliás, ganham envolvimento direto com os protagonistas, o que não acontecia nas revistinhas.

Doutor Estranho aponta uma nova direção para a maior franquia atual do cinema. Muito do que foi visto nele, vai influenciar diretamente na dobradinha Vingadores: Guerras Infinitas. O longa mostra ainda que não é preciso desviar da chamada Fórmula Marvel para compreender o futuro. Ou simplesmente para realizar um filme autêntico e de qualidade como este. Deixa ser. Novas páginas estão por vir por vir.

(rubensrodrigues@opovo.com.br)

Cotação: 7/8

Ficha técnica: Doutor Estranho (EUA, 2016), de Scott Derrickson. Ação/Aventura. 12 anos. 115 minutos. Com Benedict Cumberbatch, Rachel McAdams, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen e Tilda Swinton.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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