Logan Lerman, fenomenal em "Indignação"

Logan Lerman, fenomenal em “Indignação”

À primeira vista, “Indignação” pode parecer mais uma obra “coming of age” (“despertar da juventude”), um drama romântico sobre um jovem, branco, cisgênero, heterossexual. A obra de estreia do roteirista James Schamus como diretor, porém, tem um diferencial. Ou melhor, nasceu dele: Philip Roth.

Se o nome não faz soar os sinos, estamos diante de uma boa deixa. Roth é um dos mais importantes romancistas do mundo e considerado um marco na escrita judaico-contemporânea. Isso e os prêmios, que o gabaritam a ser apontado como o mais laureado dos romancistas norte-americanos da atualidade. Como boa parte das obras de Roth, o livro homônimo se debruça sobre o homem judeu norte-americano — e, narcisismo à parte, o faz de forma brilhante.

A missão de adaptar o romance, porém, não caiu nos colos de um desconhecido. Debutante na direção de longas, Schamus é conhecido pelo trabalho por trás das câmeras como produtor e roteiristas de algumas obras de Ang Lee. Do cineasta taiwanês radicado nos EUA, Schamus parece ter pegue emprestado o naco pela sensibilidade. “Indignação”, porém, investe ainda em conceitos filosóficos e psicológicos para adentrar ainda mais nos sentidos dos protagonistas.

Olivia (Sarah Gadon) e Marcus (Logan Lerman)

Olivia (Sarah Gadon) e Marcus (Logan Lerman)

Mesmo diante de tanta aspiração conceitual, “Indignação” acaba se apresentando como uma obra de personagens. A história acompanha Marcus Messner (Logan Lerman), jovem judeu americano, o primeiro da família a entrar em uma universidade. O ano é 1951, época em que milhares de norte-americanos viajavam para a guerra da Coréia. De lá, muitos não voltaram, incluindo primos de Marcus. Nesse contexto próprio, Marcus se vê rodeado por um pai em preocupação constante, uma mãe engolida pela fúria paterna e toda a nova realidade de estudante universitário. Para aumentar o sentimento deslocado, Marcus estuda ainda em uma pequena universidade cristã no Ohio.

Paralelamente, o filme trata do crescimento dos sentimentos de Marcus, apaixonado pela incomum Olivia Hutton (Sarah Gadon), e um crescente isolamento do protagonista. Ateu de ascendência judaica, ele é obrigado a participar de cultos. Cético, ele é obrigado a dividir um quarto com dois sujeitos cuja única semelhança com Marcus é ser de família judia. Enquanto isso, ele tenta seguir o seu papel na vida: o bom garoto. Qualquer ponto fora da curva parece um dilema para um rapaz que sempre deixou os outros fazerem suas escolhas.

Diante de um emaranhado complexo de sentimentos, a grande responsabilidade do longa caía sobre os ombros de Logan Lerman. Com uma composição firme e rica, ele dobra os dilemas de Marcus e expõe as responsabilidades que o pressionam. Note-se o empostamento da voz e a formalidade, que contrastam com uma aparente timidez do jovem. Lerman consegue se equilibrar entre a discrição e a exposição, o que permite que ele brilhe nos grande diálogos do filme. O primeiro “duelo” do estudante com o reitor da universidade, por exemplo, trabalha conceitos e sentimentos de forma paralela e cristalina. Diante de tanta força, o terceiro ato corrido e as pontas soltas na adaptação cinematográfica nem chegam a incomodar.

O trabalho da relação familar de Marcus é essencial no filme

O trabalho da relação familar de Marcus é essencial no filme

A base robusta do texto é outra ajuda na construção de uma fauna única de personagens. A forma orgânica, por exemplo, que o antissemitismo é trabalhado na relação de Marcus com o reitor, que define o pai do estudante como “açougueiro kosher”, contém muito poder na simplicidade. Destaque ainda para atuações de Sarah Gadon, Tracy Letts e, em especial, Linda Emond, que interpreta a matriaca Messner. A cena final dela com Marcus é quase um jogo entre a ascendência judaica e a culpa cristã — uma complementaridade ecumênica. Sublinhe-se ainda a direção de fotografia de Christopher Blauvelt, que reforça o clichê do tom sépia para retratar uma obra de época, mas oferece uma quebra ao investir em primeiríssimos planos em momentos de tensão e imersão pessoal.

Rico e complexo, “Indignação” é uma surpresa digna do currículo de Philip Roth. É a sexta e melhor adaptação de romance do autor, que terá sua “Pastoral Americana” nos cinemas em breve.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 7/8.

Ficha Técnica
Indignação (EUA, 2016), de James Schamus. Drama.110 minutos. Com Logan Lerman.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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