Em um primeiro momento, pode parecer um spin-off da franquia Jogos Vorazes. Jovens, todos vindos de uma sociedade devastada pela pobreza e fome, se arriscam em uma oportunidade única de irem para um lugar próspero, chamado Maralto, destinado a apenas 3% da população. Tudo isso embalado em uma trilha sonora de samba e bossa nova.

Primeira produção originalmente brasileira realizada pela Netflix, a série “3%” estreou na última sexta-feira, 25. A produção, contudo, já era conhecida do público, por ter sido realizada para o Youtube em formato de websérie. A série da Netflix, disponibilizada em oito episódios, é dirigida por César Charlone, responsável pela fotografia de “Cidade de Deus”.

Ao completarem 20 anos, os jovens participam do chamado “Processo”, constituído de uma série de avaliações, psicológicas e físicas, para descobrir se os candidatos estão aptos a entrarem na sociedade baseada na meritocracia do Maralto. Representada pelo ator João Miguel no papel de Ezequiel, a sociedade futurista apresenta um ideal almejado por todos: um mundo sem violência, próspero, com saúde de qualidade. Mas, claro, restrita a um número ínfimo da população.

As semelhanças da série com obras consagradas como “Admirável Mundo Novo” ficam evidentes. No livro de Aldous Huxley, a maior parte da população vive em um ambiente supostamente selvagem, enquanto a “elite” se mantém ativa em um ambiente estéril e voltado unicamente para o prazer do indivíduo. Em “3%”, apesar de não haver vislumbre algum do Maralto durante os oito episódios, alguns detalhes soltos nos diálogos mostram a suposta realidade do local, onde não há doenças e nem mesmo dinheiro.

Com uma proposta pouco vista dentro do mercado brasileiro de produções audiovisuais, “3%” é louvável em sua concepção. Na prática, no entanto, problemas de roteiro prejudicam o desenrolar da história. Os diálogos apresentam pouco dinamismo, gerando frases que beiram palestras de autoajuda, aliadas a expressões constrangedoras. “Se a gente quiser, nós vamos conseguir”: “garoto, deixa de ser ridículo!”, e mais alguns capazes de revirar os olhos.

À frente do elenco, estão Biana Comparato, como Michele, Michel Gomes, no papel de Fernando, Vaneza Oliveira, como Joana e Rodolfo Valente, interpretando o sempre odiado Rafael. Apesar de competente em sua maioria, o elenco é prejudicado pelos rumos roteiro, ao tomarem decisões óbvias e pouco inventivas. Os personagens, ainda assim, são construídos de forma decente, cada um contando com personalidade distinta.

As locações escolhidas para as etapas do Processo também não ajudam: ainda que tentem soar futuristas, os espaços parecem apenas escritórios limpos de prédios de luxo locais. Nas áreas do Continente, onde vivem os outros 97% da população, áreas semelhantes a favelas são retratadas, sendo uma escolha acertada por espelhar uma realidade brasileira.

Os primeiros quatro episódios da série falham em construir uma narrativa envolvente. Recheadas de clichês, as situações não convencem, ainda que as tramas paralelas auxiliem a construir um universo mais crível. A medida que a trama avança, os diálogos recebem um melhor tratamento e a história toma rumos interessantes. Ao final, fica a vontade que a série volte para uma segunda temporada, para, enfim, conhecermos o futurista Maralto.   

3% – Todos os episódios estão disponíveis na Netflix. 

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Hamlet Oliveira

Jornalista. Louco por filmes desde que ficava nas locadoras lendo sinopse de filmes de terror. Gasta mais dinheiro com livros do que deve. Atualmente tentando(sem sucesso) se recuperar desse vício.

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