O trio principal do filme

O trio principal do filme

Um dos mestres atuais do suspense/horror, o japonês Kiyoshi Kurosawa tem sua maneira própria de criar medo e tensão. Em tempos em que o ritmo expõe os sentimentos postos em tela, o diretor prefere apostar em silêncios e no espelhamento de situações para aumentar a expectativa. Com isso, nasceu “Creepy”, filme que é, ao mesmo tempo, uma obra sobre um assassino em série e sobre a obsessão pelo trabalho de um ex-detetive.

A obra já abre na derrocada da carreira de Takakura (Hidetoshi Nishijima), que, por arrogância e ingenuidade, permite que uma tragédia ocorra. A cena, forte, movimentada e sangrenta, é um contraponto a todo o resto do filme. Passado um ano, Takakura, agora um professor especializado em traçar o perfil de assassinos em série, se muda junto a sua esposa, a voluntariosa Yasuko (Yûko Takeuchi). Isolada e só, a moça tenta se entrosar com o excêntrico vizinho Nishino (Teruyuki Kagawa). Paralelamente, Takakura se envolve com um trabalho policial não resolvido que ocorrera seis anos antes.

Essa bifurcação, então, se torna o centro da trama. Yasuko demonstra um misto de fascínio e medo em relação a Nishino. Takakura entrevista a única remanescente de uma família que sumiu do dia para a noite. Nas duas histórias paralelas, Kurosawa pulveriza informações convergentes, criando uma tensão em volta de Yasuko que seu marido insiste em ignorar. Para ele, mais importante é o mistério do outro lado do gramado.

Nishijima e Takeuchi, o casal Takakura

Nishijima e Takeuchi, o casal Takakura

Dentro das limitações de cenário em filmes japoneses, “Creepy” trabalha com uma direção de arte inteligente e claustrofóbica. Quase tudo ocorre em pequenas casas conjugadas, sempre semelhantes, sempre espelhando as duas tramas paralelas. A sensação de repetição aumenta a tensão, que podia ficar perdida nos mistérios do roteiro, baseado no romance de Yutaka Maekawa. Há um entrecorte entre suspense e horror que põe o público em suspensão e ajuda a manter o foco nos 130 minutos de trama. A inventividade na forma como o roteiro é trabalhado ajuda ainda a quebrar a previsibilidade da história, levando de forma satisfatória até um ápice espetacular.

Para funcionar, no entanto, “Creepy” depende muito de Nishijima e Kagawa, que fazem um trabalho equilibrado em seu duelo sem palavras. Existe um nível de profundidade no protagonista, que é pintado tanto como virtuoso quanto irascível. A negligência à esposa, a arrogância da inteligência e a obsessão pelo passado o transformam em uma figura singular, tridimensional. Já Kagawa faz por merecer o nome do filme, Creepy (“assustador”, em inglês), com um personagem ora ingênuo, antissocial, ora maquiavélico, manipulador.

Kagawa sendo, digamos, creepy

Kagawa sendo, digamos, creepy

O grande porém da trama é a construção das personagens femininas. No centro, são três: Yasuko, a filha de Nishino e a sobrevivente ao desastre do passado. Em comum, a submissão. O arco de Yasuko, em especial, soa artificial, já que a personagem não tem sua profundidade trabalhada. O final catártico acaba perdendo parte da força já que a única característica da moça mostrada em tela é seu esforço para que gostem dela.

No fundo, parece que “Creepy” mostra muito do que a sociedade japonesa contemporânea tenta fugir. Homens competitivos, focados, arrogantes e suas mulheres invisíveis.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8.

Ficha técnica
Creepy
(JAP, 2015), de Kiyoshi Kurosawa. Suspense/Horror. 130 minutos.

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About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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