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Desde a sua estreia no Festival de Cannes, o longa francês Elle tem sido objeto de discussão da crítica cinematográfica. Reunindo Paul Verhoeven, diretor holandês responsável por filmes que vão do original RoboCop ao considerado cult-trashShowgirls, e Isabelle Huppert, uma das melhores atrizes em atividade atualmente, a trama do longa aposta em sarcasmo, subversão e polêmica: o espectador acompanha a história de Michèle, executiva de uma empresa de videogames que é violentamente atacada na própria casa. Revelar mais detalhes da história seria macular a experiência.

A partir do acontecimento, que abre o filme, o que se vê a seguir é um conteúdo que desafia as certezas morais do espectador. Não somente por conta do estupro e suas inesperadas consequências, mas especialmente pela construção da personagem. Michèle é, desde a mais rasa descrição, uma figura pouco usual: uma protagonista mulher, com mais de 50 anos, que trabalha num posto de comando em um mundo dito jovem e masculino. Com o desenrolar de situações do cotidiano da personagem, a complexidade só aumenta.

Acompanhando as relações de Michèle com quem a cerca, da mãe ao ex-marido, passando pelo filho e a melhor amiga e, especialmente, pelo pai, temos acesso ao modo como ela se acostumou a operar: no comando, autônomo, mordaz, irônico, sem amarras. A personagem chega a níveis desagradáveis, mas nunca deixa de ser, afinal, humana – e por isso, figura complexa, interessante. O trabalho de Isabelle Huppert, mais um para a conta de grandes atuações da francesa, está sendo reconhecido por prêmios norte-americanos e considerado para o Oscar de melhor atriz.

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Tão mais focado em Michèle, tão mais interessante o longa fica. Ao contextualizar o passado da protagonista e dar espaço para sequências que ajudam a definir na mente do espectador como ela é e se porta, o filme nos deixa em posição de cumplicidade com a protagonista, tentando entendê-la e até torcendo por ela. Certas decisões da trama, no entanto, soam como traição ao espectador em dado momento-chave do longa.Reside, aí, sua principal força e fraqueza: o filme joga, do começo ao fim, no tom da subversão.

Após acostumar o espectador com a personalidade singular da personagem, ele oferece ao público decisões e ações de Michèle que, até mesmo para os parâmetros da protagonista, surpreendem, fazendo-nos questionar o porquê delas. Ao não satisfazer o espectador com a suposta lógica esperada, o filme fica entre a frustração e o fascínio causados pela nova subversão de expectativas. A polarização das reações ao longa, com descrições que vão de “feminista” a “misógino”, não é inesperada. No entanto, ignorar o que se encontra no meio é reduzir não apenas a natureza complexa do trabalho, mas da vida em si. Por mais que se diga ou espere o contrário, em termos de humanidade, não existem regras formuladas e seguidas à risca. Michèle e Elleestão aí para comprovar.

Texto de João Gabriel Tréz, publicado originalmente no caderno Vida&Arte, do jornal O POVO

Ficha técnica
Elle
(FRA/ALE/BEL, 2016), de Paul Verhoeven. Drama. 18 anos. 130 minutos. Com Isabelle Huppert.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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