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O pós-amor é um tema delicado. No limiar entre o carinho passado e o ódio presente, as obras que abordam términos sempre precisam se equilibrar em nuances que fujam do maniqueísmo. O franco-belga “A Economia do Amor”, de Joachim Lafosse, percorre esse tortuoso momento em um casal em plena convergência de crises – pessoal, econômica, amorosa, de meia idade.

Nos dois cantos do ringue estão Marie (Bérénice Bejo) e Boris (Cédric Kahn), casal por 15 anos e que se veem obrigados a dividir o mesmo teto. Pais das gêmeas Jade e Margaux, eles tentam, inutilmente, fixar regras de convivência que poupe as filhas da tensão crescente. O que entra como novidade mais forte do roteiro é o contexto da crise econômica europeia, que, ainda que não citada diretamente, é agravante no conflito de Marie e Boris. Ao lado do romeno “O Tesouro”, de Corneliu Porumboiu, “A Economia do Amor” é um de dois bonitos dramas europeus sobre a crise a desembarcar no Brasil em nosso conturbado 2016. De certa forma, isso mostra que está difícil no mundo todo. O roteiro, de Lafosse e outros quatro escritores, traz ainda pinceladas de luta de classes fortes e bem ponderadas, em uma trama mais complexa que parece.

Ponto de vista seria impor essa foto junta à de baixo...

Ponto de vista seria impor essa foto junta à de baixo…

Uma das decisões mais interessantes do longa é visual e se divide em direção de arte e fotografia, assinadas por Olivier Radot e Jean-François Hensgens, respectivamente. O primeiro passo foi ressignificar o recurso do suspense que é filmar toda a obra em apenas uma locação – algo visto em “Janela Indiscreta” (1954), “O Quarto do Pânico” (2002), “Louca Obsessão” (1990) e muitos, muitos outros. Assim como “Deus da Carnificina” (2011), de Roman Polanski, o cenário estanque aumenta a tensão doméstica e expõe ainda mais as personalidades conflitantes. Já a fotografia aposta em longos planos sequência, de uma forma em que a câmera passeia em meio ao conflito. A ideia, bem imposta, é de uma imparcialidade, já que se foge de closes mais dolorosos e, digamos, opinativos.

Essa fuga de um ponto de vista mais próximo a Marie ou Boris acaba essencial para que a trama funcione. Contando com belas atuações, em especial de Bejo (famosa por “O Artista”/2011), “A Economia do Amor” trabalha em camadas espelhadas. É um morde-e-assopra constante. Se Boris é irresponsável, Marie é controladora. Se a mãe organiza, o pai acalenta. De certa forma, mesmo com o caos emocional à espreita, é bonito ver o quanto Jade e Margaux conseguem unir os pais.

... algo que o filme evita, mas que eu me permito

… algo que o filme evita, mas que eu me permito

“A Economia do Amor” não é filme sobre cura, sobre fórmula de solução. É sobre desgaste, sobre solidão. A estrela ali é Bejo, que mostra a dor de tantas mães, que trabalha, cuida dos filhos e ainda remedia as irresponsabilidade de quando Boris decide ser pai. Por mais imparcial que o filme busque ser, existem ali padrões de atitudes que se refletem em milhares – milhões – de casas. Na Bélgica, no Brasil, nos EUA e em todo o Ocidente.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8.

Ficha técnica
“A Economia do Amor”
(BEL/FRA, 2016), de Joachim Lafosse. Drama. 100 minutos. Com Bérénice Bejo e Cédric Kahn.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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