Com dreadlocks na cabeça, sem experiência alguma em atuação e com um grande espírito livre dentro de si, a estadunidense Sasha Lane arrebatou o Festival de Cannes de 2016. A performance da protagonista de “Docinho da América” (American Honey), que chegou recentemente à Netflix brasileira, conquistou crítica e público durante sua passagem por festivais de Cinema. Se qualificando como um road-movie, o filme se mostra como um expoente de peso do cinema independente do ano passado, ao abordar temas como liberdade e a falta de oportunidade de emprego para jovens.
Na trama, a jovem Star, de 18 anos, vive com seus dois irmãos e o namorado em uma cidade pobre e sem oportunidades. Ao conhecer um grupo de jovens, liderados pelo rebelde Jake (Shia LaBeouf), ela decide partir com eles em busca de dinheiro e conhecer os Estados Unidos. Com o objetivo de vender assinaturas de revista de porta em porta (provavelmente o negócio menos rentável possível), Star, em cada novo Estado, irá descobrir um pouco mais de si mesma.
Apesar de retratar pessoas e localidades assoladas pela pobreza, a diretora Andrea Arnold e o diretor de fotografia, Robbie Ryan, não caem na armadilha de os situar sob uma estética sombria. Pelo contrário, os ambientes carregam uma vivaz luz alaranjada, garantindo vida e personalidade para os diferentes pontos pelos quais Star passa.
Com um grupo grande de coadjuvantes, pode-se argumentar que os personagens secundários não recebem bom desenvolvimento, o que é verdade. Com exceção de Jake e Krystal (Riley Keough), a responsável pela ideia das assinaturas de revista, é difícil lembrar sequer o nome dos outros integrantes. No entanto, ainda que suas personalidades não possuam destaque, sua caracterizações garantem um dos pontos mais positivos do longa. É perfeitamente possível acreditar na existência daquelas pessoas. Desajustados, mas nunca caricatos, o grupo de Star é crível a ponto de fazer o espectador pensar se não possui algum amigo semelhante a eles no mundo real.
Assim como sua intérprete, Star também é natural do Texas, garantindo mais uma camada de verossimilhança para a personagem. A forma de falar, o sotaque, os maneirismos e comportamentos de Lane mostram total segurança da atriz iniciante na caracterização de Star, reforçando a boa escolha de Andrea Arnold em optar por um rosto desconhecido. Já LaBeouf se encontra confortável dentro da persona de Jake. Rapaz sem apreço pelas regras comuns de convívio social, é fácil ver Shia o interpretando, tendo em vista os comportamentos mais recentes do ator, como ir ao cinema sozinho e assistir todos seus filmes em sequência.
Para além de mostrar as andanças de Star com o grupo, a história apresenta o amadurecimento da personagem, seja em seus talentos como vendedora, seja enquanto pessoa. Com mais de duas horas e meia de duração, o filme ainda se beneficia da sua montagem ágil, garantindo um ritmo eficiente para a obra, por mais que o fórmula “Star em um novo lugar + Jake faz algo = resultado disso” soe um tanto repetitiva.
Apontando o olhar para uma vertente pouco explorada dos jovens estadunidenses, “Docinho da América” realiza um estudo de personagem crível, com momentos marcantes, em meio a uma fotografia estonteante. Ainda que sua trama se repita em certos momentos, a personalidade cativante de Star e sua desenvoltura para resolver os problemas que a cercam garantem uma das identidades mais bem escritas de 2016.
Disponível na Netflix
Cotação: nota 6/8
Ficha técnica
Docinho da América (EUA, 2016), de Andrea Arnold. Drama. Com Sasha Lane e Shia LaBeouf. 143 minutos.