Martírio mostra a luta do Guarani Kaiowá no Centro-Oeste

Martírio mostra a luta do Guarani Kaiowá no Centro-Oeste

Na primeira exibição de “Martírio” em Fortaleza — ocorrida no último dia 14, dentro da Mostra Retrospectiva-Expectativa —, o diretor do documentário, Vincent Carelli, lembrou uma passagem do Festival de Brasília de 2016, onde apresentou o filme em competição. Ao pegar um táxi na Cidade, ouviu na rádio um locutor anunciar seu documentário como “um filme chamado Martírio, com quase três horas”. A descrição pouco convidativa não deixa de ser real, mas se esqueceu de mencionar que, na verdade, as “quase três horas” – mais precisamente 2h40min – formam um dos registros audiovisuais mais urgentes, potentes e fortes sobre e para a História do Brasil. O documentário terá nova exibição na mostra hoje, 24, às 16h30min, e deve estrear em Fortaleza ainda no primeiro semestre.

“Martírio” se debruça sobre a luta por terra e o genocídio dos Guarani Kaiowá, povo indígena que vive no Centro-Oeste brasileiro. O tema, delicado, confronta poderes e acirra ânimos. Recentemente, por exemplo, o samba-enredo de 2017 da escola Imperatriz Leopoldinense, “Xingu – o Clamor da Floresta”, que homenageia as tribos indígenas da Região, foi alvo de ataques de associações do agronegócio. “Martírio”, corajosa e frontalmente, também não se furta em tomar posição contra os interesses do setor.

O filme faz um apanhado histórico da tribo e da repressão por ela sofrida por meio de documentos, relatos e registros feitos pelo próprio diretor durante os anos 1980, além de novas filmagens. A partir dos Guarani Kaiowá, “Martírio” lança um olhar geral sobre a resistência dos povos indígenas e o tratamento dado a eles pelos governos ao longo da história – o desprezo à identidade e aos costumes desses povos e a influência dos grandes grupos empresariais são a regra constante dessa relação.

De um lado, a vida paupérrima dos índios. Do outro, empresários-políticos

De um lado, a vida paupérrima dos índios. Do outro, empresários-políticos

Ao contrastar as falas de políticos-empresários com relatos da luta indígena, o filme cria um paralelo discursivo que muito revela sobre a situação. Em dado momento, por exemplo, o espectador é apresentado ao “Leilão da Resistência”, evento promovido por fazendeiros e empresários que pretende arrecadar fundos para a contratação de segurança privada a fim de “proteger as propriedades” de “invasões” indígenas. Em oposição, vemos em outro momento um ataque intimidador e violento, registrado em vídeo pelos próprios índios resistentes, a uma ocupação indígena.

Em meio aos documentários, existem bons documentos de denúncia que não funcionam como filme, e bons filmes que não passam grandes discursos. Carelli consegue, aqui, provar a força do dispositivo audiovisual como meio de expressão política ao unir a denúncia necessária ao bom cinema. Por meio da tomada de posição, do envolvimento sincero com a causa e do respeito à voz de quem ouve, “Martírio” emana urgência, pulsa humanidade e pede para ser visto.

Texto de João Gabriel Tréz (joaogabriel@opovo.com.br) para o Vida&Arte, do O POVO

Serviço:
Martírio
, de Vincent Carelli, em colaboração com Ernesto de Carvalho e Tita
Quando: hoje, 24, às 16h30min
Onde: Cinema do Dragão-Fundação (Rua Dragão do Mar, 81)
Quanto: R$14 (inteira)

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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