Stone e Gosling no melhor estilo Rogers e Astaire

Stone e Gosling no melhor estilo Rogers e Astaire

Uma moça conhece um rapaz. Uma moça se apaixona por um rapaz. Ele ama jazz, ela quer atuar. Os dois se ajudam a crescer. Eles são bem afinados nos passos de sapateado. Hipsters aproveitam engarrafamentos para cantar e dançar em uníssono. A diferença entre clichê e referência, por vezes, é repertório. E “La La Land: Cantando Estações”, de Damien Chazelle, se faz parecer com uma história de amor entre rapaz branco e moça branca, mas surge mais como declaração de uma paixão pelo cinema musical.

O visual de “La La Land”, por exemplo, é o primeiro indicativo do que Chazelle objetivava. Brincando com as cores do technicolor, ele referencia a era de Ouro dos musicais, entre as décadas de 1940 e 60. Dali, se extrai a base do roteiro e a estrutura clássica das canções. Chovem referências visuais e até mesmo linhas do roteiro que se espelham em filmes como “Cantando na Chuva” (1952), “Amor, Sublime Amor” (1961), “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964) e toda uma gama de parcerias entre Ginger Rogers e Fred Astaire. É nesses ecos, nessas declarações de amor a um gênero já visto como morto que “La La Land” mostra sua força.

Ruas e morros de Los Angeles são quase personagens do longa

Ruas e morros de Los Angeles são quase personagens do longa

A cena inicial, dos hipsters no engarrafamento, porém, já mostra a principal dificuldade de “La La Land”. Quando uma obra de referências hesita em arriscar, em inovar, ela soa derivativa. Um musical de referências clássicas e bem estruturado é sempre excelente, mas “La La Land” é até um tanto conservador. Ao não buscar uma evolução na linguagem, ele acaba soando, por vezes, forçado em seu desenvolvimento. Não basta só trazer os personagens para o dia de hoje para se atualizar conceitos e contextos.

Há, no entanto, uma química inegável entre o tecido histórico de Los Angeles e os protagonistas, Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling). Ele, apaixonado pelo jazz, uma arte tão agonizante como… Musicais, talvez? Ela tentando driblar o deslumbre de Hollywood e ser vista como… Chazelle, talvez? Diretor em começo de carreira, mas que surgiu em 2014 com “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, uma obra completamente autoral. Há uma entrega entre Mia e Seb e dos dois para a arte que é apaixonante. Dessa forma, Chazelle se dobra à outra arte agonizante: o romantismo. “La La Land” é uma resposta à obsessão musical mostrada em “Whiplash”. O primeiro era caos manifestado em rigor estético, o segundo é rigor estético se traduzindo em poesia.

As referências visuais vão além de musicais clássicos. Na cena, o observatório do parque Griffith, central em "Juventude Transviada" (1955)

As referências visuais vão além de musicais clássicos. Na cena, o observatório do parque Griffith, central em “Juventude Transviada” (1955)

Falando em lirismo, o carisma e a química entre Mia e Seb guiam em um primeiro ato que demora, mas funciona. Já a conclusão do terceiro ato, referência clara a “O Show Deve Continuar” (1979), de Bob Fosse, é brilhante. O porém é que essa epifania final traz todo um segundo ato à reboque. Os conflitos soam pueris e forçados e acabam dissipando parte da força de “La La Land”. É como se tudo fosse forçosamente guiado para que o conjunto de fatores necessários para o ápice do filme ocorresse.

Apesar de ter desperdiçado a oportunidade de inovar, “La La Land” é uma obra redonda e que oxigena os musicais bem mais do que obras de Baz Luhrmann ou o chatissímo “Os Miseráveis” (2012) de Tom Hooper. É um filme com potencial de despertar o novo, de incentivar a invenção, indo bem além do lamento referenciado que era “O Artista” (2011) para o cinema mudo. Quem sabe é um estímulo à pesquisa, à desconstrução, ao avanço. Quem sabe um dia não investem em um musical nacional urbano de horror e comédia? (E fica a dica extra para todo mundo assistir ao “Sinfonia da Necrópole”/2014, de Juliana Rojas).

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 5/8

Ficha técnica
La La Land: Cantando Estações (2016)
, de Damien Chazelle. Musical. 12 anos. 128 minutos. Com Emma Stone e Ryan Gosling.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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