Jacqueline Kennedy (Natalie Portman), primeira-dama dos EUA entre 1961 e 1963

Jacqueline Kennedy (Natalie Portman), primeira-dama dos EUA entre 1961 e 1963

Apenas Jackie. Nada de Jacqueline Lee Bouvier, Jacqueline Kennedy ou Jacqueline Onassis. Só “Jackie”, como ela era chamada. Por mais que tenha sido ícone de estilo, tenha tido um histórico vitorioso e uma personalidade marcante, Jacqueline Bouvier, infelizmente, é mais lembrada como a grande mulher por trás de grandes homens. Os sobrenomes pujantes se sobrepondo aos talentos demonstrados. “Jackie”, do chileno Pablo Larraín, se foca nos momentos após a primeira viuvez da moça que imortalizou o tailleur rosa chanel. E, acertamente, Larraín apresenta uma protagonista ao mundo.

O primeiro sobrenome adquirido por Jackie (Natalie Portman) foi Kennedy, após se casar com o futuro presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. Era ela quem estava ao seu lado naquele 22 de novembro de 1963, em desfile em carro aberto em Dallas, no Texas. Foi ela quem tentou socorrê-lo após dois tiros fatais atingirem o homem mais poderoso do mundo. Só que Jackie é bem mais do que a moça que debilmente tentou coletar os pedaços de crânio caídos pelo carro. É alguém que mirou o legado, a história, quando todos pensavam no presente.

Natalie Portman e o icônico tailleur rosa sujo de sangue

Natalie Portman e o icônico tailleur rosa sujo de sangue

O roteiro, de Noah Oppenheim, se desdobra por meio de uma fictícia entrevista de Jackie para um jornalista (Billy Crudup), onde ela esmiúça os fatos de antes e depois daquele 22 de novembro. Em um primeiro momento, a afetação da personagem chama a atenção. Um misto de ingenuidade e força com fronteiras turvas. Só que a composição de Natalie vai além da pura imitação, algo comum na interpretação de personagens reais. A dicção profunda, pausada. Os sorrisos medidos, milimétricos. Dentro de uma fragilidade evidente, Portman expõe uma personagem complexa e senhora de si. E Larraín, fiel à protagonista, evita lhe mostrar excessivamente vitimizada – apesar de ser alguém dilacerada pelas perdas.

Essa gama de nuances ganha força, em especial, em volta de uma trilha musical brilhante. Assinada por Mica Levi (a cantora Micachu). Toda a musicalidade se desdobra a partir de notas parecidas, mas desviam para sentimentos palpáveis na expressão de Portman. Felicidade, convicção, tristeza, confusão. Onipresente, a música também consegue ser discreta como necessária e impor um matiz forte e solene quando pedido.

Essa solenidade no desenrolar da trama, aliás, é característica conhecida no cinema de Larraín, do ótimo “No” (2012) e do modorrento “Neruda” (2016). Existe uma estrutura narrativa (falsa) que ressoa entre “Jackie” e “Neruda”, mas enquanto um se baseia na dramatização excessiva, o outro busca sequências para ressaltar um ponto de vista específico. Porque no fundo é isso que o longa busca, uma visão próxima, infectada, parcial, do assassinato que chocou do mundo. Não há verdades ali, pois verdade não é um valor absoluto. Existem sentimentos, dores e, mais que tudo, ações.

Jackie e JFK

Jackie e JFK

O elenco de apoio, todo bem postado, funciona de parte independente e ajuda a personagem a crescer. Robert Kennedy (Peter Sarsgaard) aproveita a dubiedade que o ator sempre traz aos seus papeis para o cunhado de Jackie. Nancy (Greta Gerwig) é um toque de humanidade. O padre (John Hurt) é uma boa escada para grandes diálogos. Mas, mais que todos, é o jornalista (baseado em Theodore H. White) que mostra a complexidade da mulher que organizou o maior funeral que o mundo já viu – que garantiu o nome de JFK na história. Ele afirma: “Eu imagino que você não queira que eu escreva isso”. “Não, porque eu nunca disse isso”, respondia ela.

Senhora de si. Jackie Kennedy não era um ícone vazio. Seu tailleur rosa manchado de sangue não continha uma mulher desesperada. Continha sabedoria. Sua reforma histórica da Casa Branca não era vaidade. Era história. E Jackie era mais que uma Kennedy por casamento.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica: Jackie (2016, CHI/FRA/EUA), de Pablo Larraín. Drama. 100 minutos. Com Natalie Portman.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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