"Eu sou o Batman"

“Eu sou o Batman”

O mordomo Alfred entra em cena e encontra o chefe, Bruce Wayne, encarando fotos dos seus pais mortos. Em qualquer outra adaptação de Batman, essa é uma deixa dramática. Para “LEGO Batman”: O Filme”, é uma oportunidade de quebrar a quarta parede e fazer piada. “Você já passou por isso em 2016, 2012, 2008, 2006, 1997, 1995, 1992, 1989 e naquela fase estranha em 1966”, responde o mordomo, citando todas as outras adaptações do Homem-Morcego.

Mais que um gancho humorístico, a passagem desse drama denso para humor escrachado diferencia o longa de estreia de Chris Mckay das iniciativas de Tim Burton, Joel Schumacher, Christopher Nolan e Zack Snyder. Com leveza, comédia e um desenvolvimento surpreendente do personagem, “LEGO Batman” é entretenimento puro e de qualidade – ao contrário das últimas adaptações para o cinema da DC/Warner.

A grande sacada da obra é conseguir incutir camadas de complexidade à trama, mesmo dentro de um perene contexto de paródia do Batman. Assim sendo, as escolhas e manias do protagonista nos quadrinhos e cinema são extrapoladas seguindo a franca justificativa de que o personagem é “o Batman”. Assim, ele está preparado para todos os cenários, luta contra dezenas de vilões e prega um culto à própria imagem e mantém o carisma. Afinal, quem não ama o vigilante de Gotham City?

Esse Coringa é infinitamente melhor que o do Jared Leto

Esse Coringa é infinitamente melhor que o do Jared Leto

Na base, a trama é a mesma de sempre, com um vilão malvado (o Coringa, como sempre), soltando o caos pelas ruas da cidade mais violenta da dramaturgia em quadrinhos. No ápice do primeiro embate, no entanto, o tom de paródia vence e surge um subtexto de romance homossexual entre vilão e herói. O príncipe palhaço do crime quer ser reconhecido como arqui-inimigo do cruzador de capa, que nega seus sentimentos de ódio. Esse antagonismo ancora toda a trama, mas, dessa vez, a personalidade de Wayne/Batman é muito mais explorada. O diálogo entre ele e Alfred citado no começo do texto, por exemplo, termina com Alfred citando que o maior medo do Homem-Morcego é ter uma família – tudo pelo risco de perdê-la de novo. Isso mostra até um conhecimento considerável do personagem nos quadrinhos. O medo sempre foi força-motora dele, daí escolher seu medo de infância, os morcegos, como símbolo.

Dentro de um contexto social, a melhor adição ao rol de heróis do filme é Barbara Gordon, que na trama assume o cargo de comissária no lugar do pai, James. É ela quem questiona a efetividade do combate ao crime protagonizado pelo Batman e resolve quebrar a tradição de apenas apertar um botão para chamar o herói. Ao pregar a união de polícia com o vigilante, ela antagoniza o herói, que fica acuado pelo medo de se apegar. Além dela, há a figura do órfão solitário Richard “Dick” Grayson, um espelho de quem Bruce Wayne poderia ser (se superasse a perda dos pais e não fosse multibilionário). Para os fãs dos quadrinhos, a identidade futura dos dois já era clara.

Esperem bastante piadas sobre "Batman vs. Superman" (2016)

Esperem bastante piadas sobre “Batman vs. Superman” (2016)

Porque mesmo dentro das qualidades, “LEGO Batman” tem uma função primordial: vender brinquedos. O ritmo frenético, parecido ao de “Uma Aventura LEGO” (2014), introduz dezenas de personagens secundários em um fan service sem fim. Aparecem desde o Superman ao Voldemort. Sauron, King Kong, Mulher-Gato, Bargirl, Lanterna Verde, os daleks (de Doctor Who), gremlins, etc. A função deles no roteiro é, basicamente, surpreender, causar dificuldade ao maior detetive do mundo e vender bem nas lojas LEGO. É desonesto, mas dá para confessar que é bem divertido ver os terríveis vilões de Doctor Who surgirem em tela – pena que nem todo mundo vai reconhecê-los.

“LEGO Batman: O Filme” é genial dentro de sua proposta reciclável. Mostra evolução em uma personagem que parece estanque na maioria da sua dezena de filmes e brinca com o “sagrado” produto dos fãs. E se nem mesmo o “cavaleiro das trevas” necessita de um filme sombrio, talvez Zack Snyder e a DC/Warner possam aprender que profundamente é mais do que uma paleta de cores escura. Ao permitir um filme que, ironicamente, faça tanta piada com a falta de qualidade de “Batman vs. Superman” (2016) e “Esquadrão Suicida” (2016), talvez ao DC/Warner prove que aprendeu alguma coisa.

Cotação: nota 6/8

Ficha Técnica
LEGO Batman: O Filme (The LEGO Batman Movie, EUA/DIN, 2017), de Chris Mckay. Animação/Comédia. Livre. 104 minutos.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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