Little (Alex Hibbert) e Juan (Mahershala Ali), no primeiro segmento do filme

Uma pessoa não se constrói só. “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, de Barry Jenkins, é tanto sobre Chiron, garoto negro e homossexual que cresce em um bairro pobre de Miami, quanto é sobre os fatores que o fazem ser quem ele é.

Como o ambicioso “Boyhood: Da Infância à Juventude” (2014), de Richard Linklater, “Moonlight” acompanha a trajetória de crescimento de um jovem norte-americano. Só que, dentro de todas as qualidades, o filme de Linklater pouco tem conflito. É uma ode ao privilégio branco, uma história repetida contada de uma forma magnífica – talvez até uma versão diluída de “Os Incompreendidos” (1959), de François Truffaut.

Já Barry Jenkins aposta na antítese disso tudo. Aqui, o meio é inóspito e o protagonista sofre para descobrir quem é. A cor da pele, a afetação nos passos, o vício e a profissão da mãe, a violência circundante. Tudo conspira para que Chiron seja quem o meio quer que ele seja: um traficante machão que ostenta riqueza.

Segundo segmento: Chiron (Ashton Sanders)

Por mais que imponha certa linearidade na trama, a divisão em três segmentos, cada um com um ator interpretando Chiron em uma idade, é uma das forças da obra. No primeiro, Chiron é apelidado de Little (Pequeno) (Alex Hibbert) e se esconde da dureza da vida. Nessa fase, ele conhece uma figura paterna pela primeira vez com o gentil traficante Juan (o fenomenal Mahershala Ali). Há uma indicação de lar, de possibilidade de estabilidade parental para Chiron com Juan e Teresa (Janelle Monáe), mostrando que a opção do crime é um paradoxo positivo para um jovem exposto como Little.

O segundo segmento é chamado simplesmente de Chiron e o protagonista (agora interpretado por Ashton Sanders) se encaminha para ser quem ele deveria ser. Entre descobertas sexuais e uma grande amizade, ele tem um caminho claro de quem pode ser. Mas as imposições sociais da sociedade onde vive o empurram para a mesma espiral de violência de tantos daqueles jovens. No terceiro segmento, Black (ou “preto”), Chiron (Trevante Rhodes) se entregou ao caminho do qual poucos fogem. Mas no passado reside uma possibilidade de reencontro consigo.

Terceiro segmento: Black (Trevante Rhodes)

Por mais aberto que pareça, “Moonlight” tem uma dramaturgia certeira, com um roteiro encorpado e socialmente afiado. Chiron é construído – ou destruído – aos poucos a cada cena. A mãe, Paula (Naomi Harris), Juan, Teresa, o amigo Kevin e o inimigo Terrel são extensões, complementos de quem aquele garoto é. O drama cortante vem da impossibilidade de fuga. De uma realidade tão imbrincada que não há espaço para Chiron crescer e desfrutar todo o seu potencial. Daí o filme ser antítese de “Boyhood”, no qual Mason tem pequenos obstáculos e muitas oportunidades de cumprir tudo o que pode.

Com três anos de distância e resultados antagônicos, “Moonlight” e “Boyhood” são duas faces da mesma moeda. O filme de Barry Jenkins complementa e engrandece o de Linklater, ainda que se ponha de forma crítica. Já “Moonlight” impõe um brilho próprio, independente e que merece durar ainda décadas, para fazer jus a uma das melhores obras do cinema norte-americano nos últimos anos.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 8/8

Ficha técnica
Moonlight: Sob a Luz do Luar
(Moonlight, EUA, 2016), de Barry Jenkins. Drama. 110 minutos

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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