Winfried (Peter Simonischek) como o esdrúxulo Toni Erdmann

Em uma brincadeira recorrente, Winfried (Peter Simonischek) diz ter contratado uma “filha substituta” para ficar no lugar da sempre ausente Ines (Sandra Hüller). “Toni Erdmann”, a estranhíssima comédia da alemã Maren Ade, é tanto sobre as novas possibilidades de emprego — como ser filha contratada por um pai carente –, como sobre uma rotina de mundo que se sobrepõe às necessidades afetivas.

Conhecidos pela austeridade, pela seriedade nos tratos, os alemães nunca foram apontados como um povo, digamos, bem humorado. Pragmáticos, eles são vistos quase como a antítese do despojamento do brasileiro. Assim sendo, “Toni Erdmann” é uma comédia que só podia surgir do país bávaro. Há ali um senso de humor com um timing esquisito, situações de um nível de constrangimento crescente e uma minutagem extremamente longa para um filme que se foca no humor. Fora do ordinário, o que torna a obra ainda mais inusitada.

Ines (Sandra Hüller) terceiriza até o amor

Filme de personagem, “Toni Erdmann” gira em torno de Ines e seu pai, Winfried. Em uma rápida visita a Alemanha, a moça transparece ocupação e falta de tempo para a família. Chegado a pregar peças, o patriarca estranha a distância criada entre si e a filha, principalmente ao notar que os extensas telefonemas de Ines são fingidos. Ele resolve, então, levar seu arsenal de piadas para a Romênia, onde a filha trabalha como gerente em uma consultoria de empregos.

Após os primeiros momentos mais ariscos, Winfried descobre que a filha está muito fechada para alguém de fora do seu competitivo ramo corporativo. Surge, então, Toni Erdmann, alter-ego do protagonista e que ora finge ser coach do chefe de Ines, ora é o embaixador da Alemanha. Toni surge sempre nos piores momentos e, aos poucos, desconstrói a imagem, a sanidade e a seriedade da protagonista. O interessante do desenrolar da trama é o quanto a tradição de austeridade alemã e a própria profissão de Ines são contrapostas à abordagem caótica de Winfried/Toni.

O humor escrachado é raro, mas recompensa quando surge

Com 162 minutos de duração, “Toni Erdmann” não é uma comédia rasa, de riso fácil. É um filme que brinca com as emoções da protagonista, que estuda terceirizar o trabalho de uma empresa romena de óleo, mas parece ter terceirizado os próprios sentimentos. Há ali um texto inteligente (da própria Maren Ade), uma ironia constante que traz um sorriso ao rosto. Discute-se corporativismo, austeridade, ambição e frustração, com toques quase aleatórios de caos. É raro uma gargalhada surgir — mas quando ela surge, ela vale a pena, como na cena da festa de aniversário de Ines ou a versão cantada de “Greatest Love of All”, de Whitney Houston.

“Toni Erdmann” talvez não agrade aos não iniciados aos temas propostos. A discussão sobre a Alemanha sisuda pode não se conectar com parte do público e a duração do longa assusta aos amantes de comédia. Só que é raro um conteúdo tão bem construído ser tratado (e criticado) pelo viés do humor. Maren Ade consegue, como poucos, olhar o presente e discutir uma fissura social séria como as demandas do ambiente corporativo. E faz isso com uma comédia brilhante.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 7/8

Ficha técnica
Toni Erdmann (ALE, 2016), de Maren Ade. Comédia. 162 minutos. 16 anos.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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