Nas ruas escuras de sua cidade, Kevin leva uma vida tranquila. Em seu ateliê particular, o aspirante a estilista Barry cria as próximas tendências da moda. Com apenas nove anos, Hedwing tem como hobby ouvir hip-hop e olhar pela janela de seu quarto. Já a controladora Patricia comanda sua casa com pulso firme. Pessoas diferentes, mas todas unidas pelo rosto de James McAvoy, protagonista do mais novo sucesso do indiano M. Night Shyamalan.

Até três anos atrás, a mera pronúncia desse nome já traria más lembranças à tona. “A Dama na Água”, “A Vila”, “Avatar: O Último Mestre do Ar”. O cenário mudou quando, no final janeiro nos Estados Unidos, “Fragmentado” chegou aos cinemas, com críticas positivas e grande retorno financeiro, levando o nome do indiano de volta ao sucesso comercial. A trama é ao mesmo tempo simples e ambiciosa. Dono de 23 personalidades, Kevin sequestra três adolescentes, como forma de prepará-las para a chegada da Besta, a 24º personalidade. Enquanto isso, dra. Karen Fletcher (Betty Buckley), sua psicóloga, busca entender o que há de errado com seu paciente.

Apesar da complexidade de unir tantas personalidades em uma história coesa, Shyamalan se mostra contido e resolve a situação de forma inteligente, ao evitar cair na armadilha de mostrar cada uma de forma caricata e superficial. Durante o filme, conhecemos apenas nove das 23, mas conseguimos compreender cada uma delas.

Nesse ponto, McAvoy dá aqui uma das melhores performances de sua carreira. Ainda que cada pessoa dentro de Kevin seja diferente entre si, a cabeça raspada, o físico imponente e o olhar assustador garante um desconforto permanente sempre que o antagonista surge em cena. Em contraponto a essa sensação ruim, a principal jovem sequestrada, Casey (Anna Taylor-Joy, do espetacular “A Bruxa), se desenvolve como uma pessoa experiente em lidar com situações rígidas, sem baixar a cabeça e agindo com inteligência para contornar a ameaça de seu sequestrador.

Sem apelar para exposições que transformem o filme em algo muito didático, Shyamalan, também responsável pelo roteiro, utiliza a dra. Fletcher como forma de relatar mais detalhadamente o caso de Kevin. Já na casa onde as jovens estão sequestradas, o diretor utiliza com eficiência planos-detalhe que mostram, com sutileza, aspectos importantes do cotidiano de Kevin. Destaque para uma cena onde apenas escovas de dente surgem na tela.

Ainda contendo algum dos vícios/características principais do diretor, como sua obsessão em aparecer nos próprios filmes, ainda que neste seja de forma cômica e rindo de si mesmo, “Fragmentado” é a prova de que M. Night Shyamalan não perdeu a mão e continua capaz de realizar suspenses eficientes. Unindo a ótima construção de clima à interpretação de James McAvoy, temos aqui um filme que não tem medo de abraçar seu universo e quebrar as expectativas de sua audiência.

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica:
Fragmentado (EUA, 2017). De M. Night Shyamalan. Com James McAvoy e Anna Taylor-Joy. 105 min.  

About the Author

Hamlet Oliveira

Jornalista. Louco por filmes desde que ficava nas locadoras lendo sinopse de filmes de terror. Gasta mais dinheiro com livros do que deve. Atualmente tentando(sem sucesso) se recuperar desse vício.

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