Maureen (Kristen Stewart) trabalha comprando roupas para outra pessoa…

Soa inusitado sem, de fato, ser, mas uma das parcerias mais frutíferas do cinema mundial hoje reúne o cineasta Olivier Assayas e a atriz Kristen Stewart. Não foi o francês quem descobriu o talento da norte-americana, que parecia perdida na falta de qualidade da saga “Crepúsculo” (2008-2012). Antes disso, ela já mostrara talento no thriller “O Quarto do Pânico” (2002), de David Fincher, quando ainda era pré-adolescente. Só que foi em 2014, com “Acima das Nuvens”, de Assayas, que Stewart mostrou que podia fazer frente até para alguém da dimensão da francesa Juliette Binoche.

“Personal Shopper” é uma passo adiante na parceria. É um palco completo para o talento único de Stewart de expressar desconforto, escancaram um ideal de fuga frustrado — algo até reconhecido por Woody Allen no fraco “Café Society” (2016), mas ignorado por quem ainda se prende ao preconceito contra a ex-musa teen. A escalação perfeita de Stewart como uma médium moderna mostra, ao mesmo tempo, a dificuldade de se superar o passado e como isso impossibilita o planejamento futuro.

Assayas abre o longa com uma cena de aparição fantasmagórica digna dos melhores filmes de horror. Casa mal assombrada, garota sozinha, ausência de trilha musical e uma edição de som entrecortante e capaz de não deixar o público nem piscar. Ali, ele estabelece sua protagonista, uma moça que busca no passado uma resposta do que quer para a vida. O casarão era moradia do irmão gêmeo, Lewis, que morreu após um infarte — fruto de um problema congênito que Maureen (Stewart) e ele compartilham. À espera de um sinal do além que o irmão prometera, ela trabalha como compradora contratada (personal shopper) de Kyra (Nora von Waldstätten), uma intragável modelo internacional.

…só que vez por outra rola a vontade de experimentar o vestido que ela mesmo comprou

Maureen é dividida entre muitas facetas de frustração. Para além do sentimento de perda, ela vive distante do namorado, que presta um serviço em Omã. O trabalho, subalterno, contrasta com as ambições de ser alguém. De certa forma, Assayas impõe uma presença passada (as aparições “fantasmagóricas”) para que a protagonista não possa olhar para o futuro. O fator tecnologia é ainda introduzido após Maureen começar a trocar mensagens pelo celular com uma figura misteriosa, que pode ser desse plano ou de outro plano. Esse fator traz ainda um interessante contraste na trama, adicionando uma bela camada de suspensa no drama e terror já presentes.

Com um invólucro de drama/horror, “Personal Shopper” é um filme de fôlego surpreendente e camadas interessantes. Discute superficialidade e moda, inveja, espiritualidade e ceticismo, enquanto prende em um suspense bem construído. Para que tudo funcione, no entanto, cabe outra grande atuação de Kristen Stewart. Ela traz o medo, a humanidade e uma beleza tão mundana que nunca soa mentira. Que a parceria com Assayas renda cada vez mais frutos, para que uma atriz como Kristen possa se aproximar de cinema de qualidade e se dissociar do lixo reproduzível que lhe deu fama mundial.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica
Personal Shopper
(FRA/ALE, 2016), de Olivier Assayas. Suspense/Horror. 18 anos. Com Kristen Stewart.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

View All Articles