Quando Mighty Morphin Power Rangers ganhou sua primeira versão no cinema, em junho de 1995, a série de TV já tinha uma mitologia estabelecida e até havia passado por grandes mudanças no elenco. Quase 22 anos depois, o Super Sentai criado por Haim Saban é reimaginado, do zero, em um momento obsessivo pela nostalgia.

Da megalomaníaca Hollywood dos super-heróis, passando pelo fracasso das últimas franquias adolescentes, Power Rangers (2017) surge despretensioso e, principalmente, assertivo na proposta de atualizar o clássico. Aposta da Lionsgate, o longa de Dean Israelite nasce com a missão de dar ao universo dos Rangers uma história de origem mais verossímil e objetiva. E isso o texto constrói bem.

O filme estabelece sua mitologia já no prólogo ao responder a mais forte teoria por trás da narrativa: a relação entre Rita Repulsa e a existência de um Ranger Verde, além de abordar o passado de Zordon (Bryan Cranston). O roteirista John Gatins (O Voo, 2012) entende que é a partir dessa trindade que o universo dos guerreiros toma forma, definindo até mesmo o caminho para uma provável sequência.

Outro grande acerto é a escolha de um grupo de adolescentes “desajustados”, no melhor estilo Clube dos Cinco, fugindo da unidade de bom mocismo da série original para se aprofundar nas problemáticas da autodescoberta.

Jason (Ranger Vermelho, Dacre Montgomery), Kimberly (Ranger Rosa, Naomi Scott), Trini (Ranger Amarelo, Becky G) e Billy (Ranger Azul, RJ Cyler), cada um à sua maneira, estão afinados e funcionam bem. A exceção é Zack, o Ranger Preto interpretado por Ludi Lin, pessimamente desenvolvido.

O interessante aqui é que a construção desses personagens ganha um tempo de tela fora do comum. O que pode parecer um problema num olhar menos atento, ajuda a estabelecer uma regra importante do jogo: tornar-se um Power Ranger não é tarefa fácil e pode custar a vida de qualquer um. O arco da armadura, aliás, é a mais importante decisão narrativa do longa.

Enquanto isso, o filme joga para o público uma série de referências não apenas da franquia, mas do cinema. O tal do fan service foi usado a favor da história, e não o contrário. Algo que filmes de super-heróis por aí precisam tomar como lição.

O longa encontra soluções plausíveis ao atualizar certos conceitos desse universo, como as moedas do poder, o centro de controle de Zordon e o conflito dos trajes. Fora todo o drama adolescente que costura os 115 min, seja no ambiente familiar, na escola, ou quando discute sutilmente temas como sexualidade, autismo e até exposição na Internet. São nesses momentos que Power Rangers se afirma como uma produção atual e, dentro do possível, realista. O problema é que o roteiro se estende por mais tempo que o necessário nessa posição pragmática, mas compensa quando, no terceiro ato, abraça a galhofa tão característica da série.

E, no que condiz à essência, a Rita Repulsa de Elizabeth Banks é eficiente. Tentar superar a figura da feiticeira icônica vivida pela atriz japonesa Machiko Soga na série original não era exatamente a melhor saída, mas criar uma versão mais sombria e tão cheia de defeitos quanto os próprios Rangers, sim. A referência caricata é evidente. Banks constrói uma vilã autêntica, ainda que clássica.

Os problemas também ficam evidentes. De uma câmera inventiva e boa montagem no primeiro ato, o filme não entrega nada de novo cinematograficamente do meio para o fim. Pautado no equilíbrio entre o verossímil e o fantasioso, peca justamente por não permitir mais tempo aos guerreiros em batalha, no corpo a corpo, como conhecemos. O rápido caminho para o combate com Goldar também incomoda, como se o maior conflito fosse justamente os jovens se entenderem como heróis, e os monstros apenas consequência. A montagem ainda tenta esconder os problemas de CGI, principalmente com os Zords.

A impressão que fica é que o orçamento de U$ 100 milhões não foi suficiente para abarcar o que Power Rangers tem de melhor, dando a entender que certos momentos precisaram ser repensados durante a realização. Mas nada disso atrapalha o desempenho do filme. Pelo contrário, é nos contrastes que ele se encontra.

(rubenssrodrigues@gmail.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica: Power Rangers (USA, 2017), de Dean Israelite. Ação/Aventura/Ficção-Científica. 10 anos. Com Elizabeth Banks, Bryan Cranston, Dacre Montgomery, Naomi Scott, RJ Cyler, Ludi Lin e Becky G.

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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