Tulsa (Britt Robertson) e Gardner (Asa Butterfield) em uma moto

Existe uma ousadia interessante que motiva “O Espaço Entre Nós”, de Peter Chelsom. Ao mesmo tempo em que caminha no sentimentalismo de uma obra romântica adolescente, o longa vislumbra uma trama calcada na ficção científica. Até aí, tudo bem. Só que, antes de adentrar em um gênero específico e cheio de regras, a produção precisa aprender sobre o que faz um bom longa “científico”. E a lógica interna de “O Espaço Entre Nós” é, no mínimo, frouxa.

A trama se fia no belo trocadilho que dá título ao filme, válido tanto em português quanto em inglês. Gardner (Asa Butterfield) se apaixona por Tulsa (Britt Robertson), mas ele vive confinado em Marte e ela tem uma vida mundana, pra dizer o mínimo. Crescendo sob gravidade baixa após uma gestação no espaço. Gardner sofre risco de colapso físico caso volte à Terra e, para ressalte-se o quão meloso isso soa, o coração pode ficar largo demais para o próprio corpo. Apesar disso, o garoto e a moça fogem pelo interior norte-americano em busca do pai de Gardner, se quem têm apenas uma foto.

O filme por vezes aposta no clichê adolescente…

Essa característica híbrida, romance e ficção científica em um road-movie, surge como a principal força do filme, mas também seu calcanhar de Aquiles. Falta comprometimento à proposta. A lógica interna frouxa acaba forçando o espectador a conclusões forçadas, o que acaba com o charme do casal de protagonistas. Asa Butterfield adiciona uma boa camada de carisma e o próprio visual do garoto, muito esguio e alto, funciona bem em um personagem que parece vir de outro mundo. Só que o filme parece arbitrariamente variar entre a leveza do início e um peso exagerado no fim. Por vezes, a trama parece querer flertar com um “Romeu e Julieta”, atitude que só sublinha o clichê do roteiro.

Como comparação, podemos escolher algo referenciado no próprio “O Espaço Entre Nós”: o longa “Asas do Desejo” (1987), de Win Wenders. Ali, o diretor alemão pegava uma proposta banal e a subvertia em algo mais profundo, filosófico. O clássico é uma discussão sobre a condição humana. Já “O Espaço Entre Nós” nunca sai do lugar-comum. A superfície é tudo que há ali, ainda que exista uma proposta mais robusta, mais ousada de se misturar gêneros. A forma rasa com que o conteúdo científico é tratado é o sintoma mais claro disso. Parece que empresas gigantes sempre se dobram a vontades de adolescentes e programas espaciais não teriam dificuldades de encontrar adolescentes em fuga na Terra. É, em suma, forçado.

… E esquece de esmiuçar seu lado mais ficção científica

Uma possibilidade que se abre é a extrapolação da vida dos dois lados do casal. Ele e ela são órfãos, mas o foco é totalmente voltado a Gardner, amparado por um programa espacial bilionário e tendo uma figura materna e outra paterna que tentam cuidar de si. O filme parece ignorar que a realidade de Tulsa é muito mais inóspita, ainda que ela viva na Terra. Bullying e alienação parental são muito mais presente para ela do que para ele. Mas o foco é no garoto, como sempre. Kendra (Carla Gugino) e Nathaniel (Gary Oldman) são personagens que se pretendem profundos, mas que escondem motivações pretendidamente mal explicadas para dar força a um terceiro ato bem decepcionante.

Além da ousadia inicial, o longa guarda em si alguns méritos. Quando aposta na leveza, “O Espaço Entre Nós” consegue criar gags de humor bem eficientes, principalmente quando focadas no jeitão peculiar do Gardner. A iconografia do longa, com suas insígnias espaciais e anéis, é bem construída. Há até algumas linhas de foreshadowing (antecipação de um plot twist) escondida de forma inteligente nesses ícones. A estrutura de road-movie também traz algum charme, bem como a atuação honesta de Asa Butterfield. Mas, a sensação constante, acaba sendo de excesso de açúcar e desperdício temático.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 4/8

Ficha técnica
O Espaço Entre Nós (The Space Between Us, EUA, 2017), de Peter Chelsom. Ficção Científica/Romance. 120 minutos. 12 anos. Com Asa Butterfield, Britt Robertson e Gary Oldman.

About the Author

André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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