“A habilidade de fingir. É isso que segura um casamento”.

Mentiras são inerentes a todos. Em maior ou menor grau, todos mentem, como já dizia Dr. Gregory House. Seja para proteger uma informação íntima, ou mesmo aquela pequena mentira que se conta quando não se está com vontade de sair de casa, o ato de mentir é recorrente. Levando essa máxima para a alta sociedade estadunidense, a minissérie “Big Little Lies”, baseada no livro homônimo de Liane Moriarty, desenvolve toda sua trama na falta de capacidade de seus personagens de serem honestos.

Tudo começa com um assassinato. Não se sabe a vítima ou o culpado. Apenas vemos moradores da pequena cidade acusando cegamente as protagonistas da série, por motivos torpes durante seus testemunhos para a polícia. Durante sete episódios, o espectador deverá conhecer um pouco mais dessa aparentemente perfeita comunidade.

Dona da verdade e odiada por seu intrometimento em todos os assuntos por metade da cidade, Madeline (Reese Witherspoon) se coloca ainda mais contra o restante da população ao se tornar amiga de Jane (Shailene Woodley. Mãe recém-chegada, pobre e sem amigos, Jane se vê sob olhares acusadores logo no primeiro dia de aula de seu filho Ziggy, após ele ser acusado de machucar a filha de Renata (Laura Dern), uma das mães mais influentes da escola.

Completando o elenco, Nicole Kidman interpreta Celeste, de longe a personagem mais interessante e com mais tempo de tela. Amiga de Madeline, e que logo cria afeição por Jane, a mulher também faz parte da alta sociedade do local, ao lado de Perry (Alexander Skarsgard), o marido perfeito e seus lindos filhos gêmeos. Por baixo da vida aparentemente perfeita, os problemas de Celeste estão por viver ao lado de um marido abusivo, que a espanca com frequência, mas que é considerado um exemplo de homem, enquanto monta sua vida de aparências.

Reflexo da vida matrimonial de Celeste e Madeline, a frase destacada no início do texto permeia diversos momentos da história. Apesar de trazer uma trama focada em pessoas fúteis, o maior êxito de “Big Little Lies” é dar diversas camadas para suas personagens, ao abordar temas, como violência doméstica, estupro, adultério e, claro, assassinato. De forma proposital, ao sermos apresentados à esta comunidade, a impressão da vida vazia que eles levam é latente, mas a exposição dos dramas vividos por cada um logo mostra que a minissérie não tem nada de superficial.

Apostando na relação entre suas três protagonistas, o maior tropeço da série é falhar ao criar um laço crível entre Jane e Celeste. Com poucas interações, não parece natural quando a Celeste entra em contato com Jane para conversar sobre algum assunto importante, quando Madeline é uma amiga muito mais próxima. Afora isso, as relações das personagens com os coadjuvantes são sempre convincentes, com diálogos afiados.  

A série também ganha pontos pela construção impecável de um relacionamento abusivo, se é que isso pode ser elogiado. Perry consegue ser repulsivo em todas as cenas em que aparece, seja quando agride Celeste até quando se ajoelha e pede perdão, jurando que irá mudar. É brutal acompanhar o sofrimento da personagem, mas também recompensador ao vê-la evoluir e buscar formas de fugir de sua condição. Se Nicole Kidman não receber indicações por sua performance aqui, já teremos a primeira injustiça do Emmy de 2017.

Madeline também consegue desenvolver uma trama competente, ao ter que lidar com a filha adolescente, um casamento cansado, um ex-marido irritante e a batalha para ser mais que apenas uma dona de casa. Enquanto possui o passado mais interessante das três, Jane é deixada de lado em boa parte dos episódios, o que é uma pena, pois Woodley dá aqui uma ótima performance. Nos capítulos finais, contudo, a personagem passa a receber a merecida relevância.

A série não deixa em momento algum esquecermos seu título, dada a enorme quantidade de mentiras espalhadas pelos episódios. Seja para proteger um amigo, esconder as feridas no corpo, uma traição, um passado obscuro, as mentiras estão por todos os lados, enriquecendo a história e aumentando a intriga e o mistério do assassinato.

Curta, porém rica, “Big Little Lies” foi uma ótima surpresa deste ano, ressaltando a capacidade da HBO de escolher projetos relevantes e tecnicamente competentes. Apesar do nível social das personagens ser distante para a maior parte das pessoas, os problemas apresentados conseguem ser identificáveis por qualquer um. Com elenco afiado, é daquelas maratonas obrigatórias e que vai consumir todo seu domingo.

About the Author

Hamlet Oliveira

Jornalista. Louco por filmes desde que ficava nas locadoras lendo sinopse de filmes de terror. Gasta mais dinheiro com livros do que deve. Atualmente tentando(sem sucesso) se recuperar desse vício.

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