Crítica publicada originalmente no dia 5 de agosto de 2014 no caderno Vida&Arte
A introdução do protagonista da versão adulta de Peter Quill (Chris Pratt), protagonista de Guardiões da Galáxia, mostra o anti-herói dançando sozinho a clássicos do rock dos anos 1970 e 1980, enquanto saqueia as ruínas de uma antiga civilização alienígena. Em um passo só, o diretor e roteirista James Gunn não só introduziu o carismático personagem como deu o tom de uma obra que, mesmo que não pareça se levar a sério sabe que mesmo uma comédia precisa de personagens bem estruturados.
Antes de “virar” Chris Pratt, o filme mostra o drama de um garoto terráqueo que perde sua mãe e se refugia em mix-tapes de fitas cassete. Ao contrário do playboy dos quadrinhos Marvel, Tony Stark (Homem de Ferro), Quill primeiro mostra seu coração e de cara nós o perdoamos pela forma como ele usa e descarta mulheres.
Guardiões da Galáxia é um misto de ficção científica clássica com comédia. Dentro de um sub-gênero tão maniqueista como o dos filmes de super-heróis, James Gunn não se resume a arquétipos clássicos de brutamontes estúpido/herói virtuoso – como mesmo Joss Whedon faz em Os Vingadores –, mas traz profundidade às suas personas. Outro mérito é não cair na armadilha do dualismo “lado negro”. As adaptações de obras da DC Comics transformaram até mesmo a deidade de Superman em uma filial do Batman.
Vin Diesel volta ao seu lado “os brutos também choram” com o voice-acting do absurdo Groot, o enorme e calado monstro-planta que serve de burro de carga e guarda costas de Rocky, o Rocket Racoon – que literalmente é um guaxinim interespacial falante. Já o ex-lutador Dave Bautista interpreta Drax, o destruidor, um curioso misto de músculos e vocabulário. Já Gamora (Zoë Saldaña) traz mais uma personagem feminina forte e arredia para o seu rol de personas marcantes.
Os cinco acabam mostrando o passeio que o filme faz entre os gêneros. Drax é saído de um filme de ação. A relação entre Gamora e Peter Quill é uma comédia romântica. Groot e Rocky são um claro par disfuncional de comédia. E o filme todo se estabelece com elementos de fantasia e ficção científica como os super-heróis e as naves espaciais – tudo com uma lógica interna criativa, porém rigorosa. As mudanças são tantas que o filme apela para o humor negro em diversas piadas de Rocky com pessoas (ou alienígenas) com deficiências e, meia hora depois, consegue emocionar com apenas três palavras de seus personagens.
Com o mérito de amarrar o universo ficcional da Marvel no cinema, estabelecendo conexões com os filmes anteriores e gancho para as sequências, o filme Guardiões da Galáxia é a obra mais “fora da caixa” do cinema de super-heróis da atualidade. E talvez isso faça dela a iniciativa mais necessária para a desconstrução de um sub-gênero cada vez mais saturado.
P.S.: Já uma tradição da Marvel Studios, Guardiões da Galáxia se encerra com duas cenas extras. A segunda marca ainda uma participação especial do personagem Marvel com a mais infame adaptação para os cinemas.
(andrebloc@opovo.com.br)
Cotação: nota 7/8
Ficha técnica
Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, EUA, 2014), de James Gunn. Aventura. 121 minutos. 12 anos. Com Chris Pratt, Zoe Zaldana, Dave Bautista.