Esta crítica pode conter spoiler.

Tom Holland funciona como Peter Parker e como Homem-Aranha

Assistir à vinheta de abertura da Marvel ao som do tema da série de TV original, rearranjado por Michael Giacchino, é quase como um abraço. No cinema, Peter Parker retorna para a casa que o tornou um dos maiores heróis do século XX. No entanto, da gênese do Cabeça de Teia até o contexto atual, muita coisa mudou. O Homem-Aranha de Sam Raimi, um clássico de adaptação cinematográfica dos super-heróis, resiste na memória recente da cultura pop, além do controverso reboot de Marc Webb. Dito isso, é preciso estabelecer que “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” é, antes de tudo, um produto de seu tempo.

Só nos últimos 15 anos, a origem do herói foi contada duas vezes no cinema. Arriscar um novo recomeço nesse período vem acompanhado de decisões narrativas que desafiam o purismo dos fãs, mas sempre entendendo bem as diretrizes estabelecidas por Stan Lee e Steve Ditko lá em 1962. O universo Ultimate se faz ainda mais presente. Seja na personalidade de um Homem-Aranha que renasceu nos quadrinhos, seja ao estabelecer um marco importante para o Universo Cinematográfico da Marvel: Miles Morales, o Aranha Ultimate, também existe no MCU. O que isso significa para os filmes da Marvel, ainda não é sabido, mas certamente não é nada a curto (ou médio) prazo.

Filme arrecadou US$ 257 milhões no fim de semana de estreia

As semelhanças com o universo Ultimate são muitas. Do uniforme presenteado por uma grande organização; passando pelo melhor amigo Ned (Jacob Batalon), claramente inspirado em Ganke Lee; à presença de Aaron Davis, interpretado pelo competente Donald Glover. É esse contexto de renovação o maior mérito do longa.

A vida escolar de Parker, na pele de Tom Holland, nunca foi tão bem trabalhada na tela grande. Aqui, Aranha é um youtuber descolado enquanto seu alter-ego é o maior nerd da escola. Desajeitado e apaixonado por Liz (Laura Harrier), a garota popular pouco presente nos quadrinhos, seguindo um aproveitamento de arquétipos que não soa forçado.

Com elenco de apoio jovem apostando na diversidade, o primeiro pipocão do diretor Jon Watts foge da fórmula repetida nas adaptações anteriores e traz personagens marcantes, ainda que fora do eixo mais popular dos quadrinhos.

O protagonista Tom Holland é um achado. O jovem de 21 anos está bem em um papel de 15 anos de idade, com alguns momentos que devem ficar na memória. O ponto de virada para o último ato, quando o ator inglês entrega uma construção dramática conjunta com Michael Keaton e por um momento faz parecer que estamos assistindo a um thriller – que nem Tobey Maguire, nem Andrew Garfield entregaram – é um deles.

Embora tropece em alguns momentos, principalmente nas cenas de ação e na obscura batalha final, o longa apresenta um Abutre com motivações verossímeis. Interpretado por Keaton, o vilão é mais perigoso e ainda mais relevante, do ponto de vista narrativo, do que o Adrian Toomes dos quadrinhos. Arrisco dizer que é (quase) tão bom quanto o Doutor Octopus de Alfred Molina. Marisa Tomei, aos 52 anos, também entrega uma May coerente e atual. A moderada presença de Robert Downey Jr. é alternativa inteligente para resoluções necessárias de atualização, além de costurar a teia da Guerra Civil. Só não tem necessariamente um apelo dramático que a figura paterna do Tio Ben representava para Parker – não é a proposta.

Ainda é difícil saber se Tom Holland é o Homem-Aranha definitivo, mas é, de longe, o melhor Peter Parker. O resultado positivo do fim de semana de estreia (US$ 257 milhões) sinaliza possibilidades importantes para a parceria da Marvel com a Sony. O que fica, portanto, é um Aranha que abraça sua essência como o bom amigo da vizinhança que sempre foi, lutando para conciliar a vida escolar com o dever de vigiar Nova York. Divertido, atual e despretensioso, “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” é uma eficiente atualização do clássico.

(rubensrodrigues@opovo.com.br)

Cotação: nota 6/8

Ficha técnica
Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, EUA, 2017), de Jon Watts. Aventura. 12 anos. 133 minutos

About the Author

Rubens Rodrigues

Jornalista. Na equipe do O POVO desde 2015. Em 2018, criou o podcast Fora da Ordem e integrou as equipes que venceram o Prêmio Gandhi de Comunicação e o Prêmio CDL de Comunicação. Em 2019, assinou a organização da antologia "Relicário". Estudou Comunicação em Música na OnStage Lab (SP) e é pós-graduando em Jornalismo Digital pela Estácio de Sá.

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