Não é todo dia que esbarramos em uma produção francesa orçada em US$ 200 milhões. Mas para traduzir visualmente o visionário quadrinho “Valerian e Laureline”, de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, o teto financeiro merecia ser inexistente. Coube ao sempre exagerado e grandiloquente Luc Besson a missão de levar a dupla de agentes intergalácticos para as telonas em “Valerian e a Cidade dos Mil Planetas”.

Major Valerian (Dane DeHaan) e sargento Laureline (Cara Delevigne)

Com ritmo frenético e cores sempre vivas, “Valerian” é uma espécie de sucessor espiritual da ópera espacial “O Quinto Elemento” (1997), obra cult de Besson. A adaptação da HQ adiciona ainda elementos de espionagem, a la James Bond, e uma cavalar dose de efeitos visuais para criar um universo amplo, surreal e absolutamente fantástico. Apesar de ser baseado em um quadrinho de 1967, “Valerian” parece se propor a uma desconstrução da visão de futuro distópico pulverizada em séries de longas como “Jogos Vorazes”, “Divergente” ou até “Mad Max”.

O futuro de “Valerian” é, antes de tudo, uma utopia. A bela introdução do filme, em que um mesmo gesto humano é repetido por séculos entre diferentes nações e diferentes espécies, mostra um ideal de cooperação que não costuma ser imaginado para humanos. Essa aposta ganha ainda maior vazão com a apresentação dos “Pearls”, raça alienígena primitiva e que vive em comunhão com a natureza do próprio planeta. Há ali um ideal pacífico evidente desde o primeiro momento e que é quebrado por um raro arroubo de violência.

Os “pearls” são o mistério que impulsiona o filme

Anos-luz dali, o major Valerian (Dane DeHaan) curtia uma projeção de um dia de praia quando uma espécie de grito de morte de uma “pearl”. A partir daí, o destino dele e desse povo desconhecido fica entrelaçado para sempre, com o futuro da estação espacial Alpha (a tal “Cidade dos Mil Planetas”) sob júdice de uma força sombria. Ao lado da sargento Laureline (Cara Delevingne, surpreendentemente bem), fiel escudeira e interesse romântico de Valerian, os dois precisam lidar com diferentes povos e culturas para desvendar o mistério dos “pearls”.

Historicamente, Luc Besson não tem medo de exagerar. Com um universo rico como o de “Valerian e Laureline”, o francês pôde investir horrores em quase 3 mil efeitos visuais e um design de produção, assinado por Hugues Tissandier, que vale cada centavo. Para além da plasticidade, o visual criado na direção de arte aposta em tons de azul forte, que ressaltam essa noção de utopia. Já as criaturas, os alienígenas apresentados, são tão inventivas quanto absurdas e dão um tom de humor que os protagonistas não conseguem por si só. O próprio conceito de uma estação espacial que precisou ser lançada para fora da órbita da Terra por ter crescido demais e que virou uma Meca intergaláctica é delicioso.

Deveria ser Laureline e Valerian, não o contrário

Mas, como dizia, o cineasta francês não resiste ao exagero. Se 200 raças alienígenas é uma ótima aposta, os 140 minutos de duração atrapalham em muito “Valerian”. Não por ser longo por si só: é mais uma questão de excesso de gordura. O roteiro, do próprio Besson, desvia a todo momento do foco central da trama. Em um ponto, Laureline precisa resgatar Valerian; em seguinda, é o contrário. E a trama de espionagem e traição fica sempre em segundo plano. Os desvios sempre apresentam visual fantástico e personagens curiosos, como a stripper Bubble (Rihanna), só que ficamos com mais de meia hora de non-sense pouco efetivo.

O excessivo foco no protagonista também estende a obra. Na introdução dos personagens, Valerian e Laureline mostram que a química dos dois é o que deveria manter viva a trama, mas Besson insiste em separar os dois. Para além disso, foca-se excessivamente no major, que se perde na canastrice forçada de Dane DeHaan. O ator, que já se provara excelente em “Versos de Um Crime” (2013) e “Poder Sem Limites” (2012) não convence como um galã estilo Dirk Pitt. Já a atuação mais física da limitada Cara Delevingne ajuda o desenrolar da trama e adiciona carisma ao casal central.

Alpha, a Cidade dos Mil Planetas

E essa constatação sintetiza a perda de oportunidade em “Valerian”, uma obra que abre como uma possibilidade de fuga do lugar-comum. Apagar a mulher para fazer o homem brilhar deixou de funcionar faz tempo. Piscada de olho e papo de garanhão passa longe de trazer substância a um personagem masculino. Besson consegue, em linhas gerais, apresentar uma proposta mais otimista para a humanidade, trazendo uma massa bem intencionada e os homens orgulhosos como exceção. Faltou só se desamarrar um pouco do padrão vigente de nossa sociedade rumo à distopia.

(andrebloc@opovo.com.br)

Filme em cartaz nas salas comerciais de cinema.

 
Cotação: nota 5/8
 
Ficha técnica
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (Valerian and the City of a Thousand Planets, FRA, 2017), de Luc Besson. Ficção Científica/Aventura. 10 anos. 140 minutos. Com Dane DeHaan e Cara Delevingne.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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