O francês “Raw” parte de uma premissa assustadora; uma jovem vegetariana passa a virar canibal, após um acontecimento brutal durante o trote da faculdade. Por mais bizarra que seja a descrição do longa, sua premissa em momento algum deve ser vista com maus olhos. Utilizando tal fato para abordar as dificuldades de uma adolescente em amadurecer, ao passo que enfrenta os problemas comuns aos jovens na faculdade, “Raw” se mostra uma forte crítica à pressão enfrentada pelos jovens durante o início da fase adulta.

Aceita na faculdade de veterinária, uma tradição de família, a vegetariana Justine (Garance Marillier) é a típica novata. Sem amigos e sem saber como se comportar com os outros colegas. As coisas mudam quando, durante o trote, sua irmã Alexia (Ella Rumpf), a força a comer um fígado de coelho cru. Sem conseguir resistir a pressão, Justine aceita. A partir desse evento, a jovem passa a se interessar por outros tipos de carne.

Amplamente divulgado como um filme de horror que fez as plateias desmaiarem, “Raw” até tem seu lado brutal. Algumas cenas envolvendo Justine e seu gosto por carne humana podem ser um pouco pesadas para o público, mas nada que a franquia “Jogos Mortais” não tenha feito pior. Ao contrário da franquia citada, a violência aqui jamais soa gratuita. Tudo funciona como ferramenta de apresentar as dificuldades da jovem em se encaixar na sua nova realidade. Longe dos pais e com uma irmã totalmente distante, resta a Justine aprender a se relacionar com os colegas, ao mesmo tempo em que perde a aura de estranha da turma.

Apresentada como a caloura comum, virgem e calada, a evolução de Justine em tela segue uma gradação crível. A confiança que ganha ao começar a ir em festas e conhecer novas pessoas acabam por transformar a personalidade da jovem. A cena em que, diante de um espelho, Justine se mostra dominando a própria sexualidade, está entre as melhores produzidas pelo Cinema em 2017. Destaque, claro, para Marillier, cuja interpretação da protagonista não se torna artificial em momento algum.

A relação das duas irmãs também é um dos pontos principais do filme. Fria e tentando evitar ao máximo ser comparada com a irmã novata, Alexia constrói uma persona distante. Graças à nova condição de Justine, contudo, a aproximação das duas acaba sendo inevitável. O ápice da discussão das duas é um momento tão absurdo quanto impressionante, graças à decisão do roteiro em transformar a situação na briga mais estranha dos últimos tempos.

Comandado com firmeza pela estreante Julia Ducournau, “Raw” lida com o amadurecimento de sua protagonista de forma consistente. O fato de Justine se tornar uma canibal é um mero detalhe dentro da trama. Claro, um detalhe que proporciona cenas tensas e um tantos perturbadoras, mas que apenas enriquece uma trama bem construída sobre a saída da adolescência e entrada na vida adulta.

O filme está disponível na Netflix

Cotação: nota 7/8

Ficha técnica
Raw (2016, FRA). De Julia Ducournau. Com Garance Marillier e Ella Rumpf.

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Hamlet Oliveira

Jornalista. Louco por filmes desde que ficava nas locadoras lendo sinopse de filmes de terror. Gasta mais dinheiro com livros do que deve. Atualmente tentando(sem sucesso) se recuperar desse vício.

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