Existe um movimento no mundo que nem política, nem mídia podem ignorar. Se a arte tem uma capacidade renovada de dar voz, dar um meio de expressão aos excluídos, os meios de entretenimento em especial precisam estar em conjunção com os desejos de minorias.

Greta Gerwig foi indicada a melhor direção e melhor roteiro original por “Lady Bird”

Nos últimos anos, o Oscar apanhou. E mereceu apanhar. E, aliás, merece apanhar muito mais – por mais antipalmada que eu seja, não tenho pena de uma indústria bilionária comandada por ricos senhores brancos e heterossexuais. O ponto de cisão foi em 2016, quando a indicação de cinco diretores e 20 atores brancos iniciou o movimento conhecido como “Oscar So White” (que virou hashtag, como tudo no ativismo 2.0).

De lá, surgiu um esforço de diversificação do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, cujo corpo votante recebeu a adição de centenas de nomes de pessoas não-brancas, de mulheres, de LGBTs. Agora, em 2018, a temporada de premiações já começou em meio ao caos das denúncias de assédio sexual protagonizadas pelas dezenas de predadores de Hollywood. E isso tem pesado cada vez mais.

Greta Gerwig, diretora do elogiado “Lady Bird: É Hora de Voar”, se tornou a quinta mulher indicada a melhor direção de longa. Ela ainda concorre a melhor roteiro original. Entre os nove filmes indicados a melhor filme, um drama gay (“Me Chame Pelo Seu Nome”), um longa de horror sobre racismo (“Corra!”) e três filmes protagonizados por mulheres (“A Forma da Água” e “Três Anúncios para um Crime”, os dois grandes favoritos, além de “Lady Bird”). Jordan Peele, de “Corra!”, aliás, é um raríssimo diretor negro indicado ao Oscar. Vale lembrar que ano passado o vencedor foi “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, drama protagonizado por um garoto negro, gay e pobre.

Entre os atores, temos a justa indicação de Daniel Kaluuya, negro, por “Corra!”. E temos o constante Denzel Washington também. Entre as atrizes coadjuvantes, temos Mary J. Blige (“Mudbound”) e Octavia Spencer (“A Forma da Água”), ambas negras. Em melhor filme em língua estrangeira, há o chileno “Uma Mulher Fantástica”, protagonizada por Daniela Vega, uma mulher trans. Em direção de fotografia, Rachel Morrison, primeira indicada na categoria.

Tudo isso ainda é pouco. A raridade das indicações não é fruto da falta de qualidade. Mas isso mostra o quanto a oportunidade rende frutos.O quanto os gritos, os mimimis para ser ouvido, fazem com que a roda industrial de Hollywood entenda que, sim, as minorias precisam ser ouvidas. E mais mulheres devem gritar, para que mais mulheres protagonizem, dirijam, produzam filmes com a força de um “Lady Bird”. Mais mulheres trans devem ganhar a oportunidade que Daniela Vega teve de protagonizar uma história, de se mostrar uma atriz completa em um filme que fala sobre o quanto a sociedade exclui mulheres trans.

É importante entender que Hollywood não aprendeu. A indústria do cinema acabou cedendo à pressão. Ouviu porque entendeu que não podia continuar se isolando. Se no ano passado Casey Affleck, acusado de assédio por duas mulheres, foi indicado e venceu o Oscar de Melhor Ator, esse ano a indicação quase certa de James Franco, acusado de assédio após vencer o Globo de Ouro, não se confirmou.

Nada no mundo é imutável. Aos poucos, com vitórias coletivas, os pequenos, os que viviam à margem, conseguem impor sua voz contra um sistema opressor. O Oscar é um pequeno espaço, um experimento do poder da coletividade. Uma lupa do poder da união das minorias.

Artigo publicado originalmente no portal O POVO Online

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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