Em tudo que circunda Agnès Varda, não se carece de mais nada. Só que a multi-artista belga (radicada na França) não é lá conhecida pela falta de generosidade. Dessa capacidade de dividir, surge Visages Villages, documentário em que a cineasta divide memórias enquanto passeia pela França com o fotógrafo JR.

Conhecido pelas fotos-painéis que imprime em cenários gigantescos do mundo, JR tem 34 anos. Conhecida com precursora e uma das duas remanescentes da Nouvelle Vague, Agnès Varda tem 89. Ela, uma artista discreta, conhecida por trabalhar reminiscências em fotos, documentários e filmes de ficção. Ele, grandiloquente, famoso por obras enormes e chamativas. Juntos, eles filmam um o trabalho do outro, traduzem a arte do outro em um filme sobre pessoas e lugares, como diz o título (rostos, vilas, em tradução do francês).

Agnès Varda e JR junto a um mural feito pelos dois

À essa amizade pouco convencional, se somam pessoas. Agnès, com seu carisma inesgotável, desvenda anônimos que viram murais de JR. Ao mesmo tempo, ela investiga a própria memória e revela detalhes de antigos amigos como o escritor Guy Debord, o fotógrafo Henri Cartier-Bresson e o cineasta Jean-Luc Godard – este, o único outro remanescente vivo da Nouvelle Vague. Aos pontos, essas histórias do passado de Agnes se misturam com o presente de locais visitados por ela, no ontem e no hoje. Tudo isso pontuado por narrações em off de Varda e JR e por diálogos entre os dois. É uma colcha de retalhos afetiva de cineasta de 89 anos, imposta pelo exagero visual do fotógrafo de 34.

A cada novo encontro de Agnès, seja com os desconhecidos, seja com a própria memória, o filme ganha uma nova potência. É uma justiça tardia mostrar a franco-belga com a grandeza que ela merece. Já JR… é quase sempre dispensável. O trabalho em murais, por mais impactante que seja, passa a soar repetido com o desenrolar do filme. E, de certa forma, essa divisão de créditos dá mais a ele, o que tira dela. Existe uma potência ali, mas é algo que raramente passa do puramente estético – como quando ele encaixa um retrato de Guy Debord em um bunker alemão.

O bunker com um retrato de Guy Debord

Só que esse lugar igual, sereno, entre dois artistas tão diferentes é o que há de mais Varda possível. Ela, incontestável, se dobrando ao trabalho de um artista tão mais novo, tão menos experiente. É, enfim, uma obra mais sobre a generosidade de Varda, sobre o percurso que ela viveu, do que sobre murais e pessoas comuns. Aliás, é um atestado de como a cineasta quer ficar para a posteridade: um rosto qualquer em uma vila perdida no interior da França.

Cotação: nota 6/8

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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