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O percurso da ligação foi grande, de Fortaleza a Henderson, Las Vegas. Enquanto aqui estava no meio da tarde, lá já era noite. Com uma diferença de seis horas no fuso horário, foi dos EUA que Sérgio Dias Baptista, guitarrista da lendária banda Os Mutantes, atendeu a ligação do O POVO, para falar sobre o disco Haih or Amortecedor, lançado em setembro de 2009 no mercado internacional e que está previsto para chegar ao Brasil logo no início do próximo semestre. O disco vem para suceder Tudo foi feito pelo sol, lançado em 1974 para encerrar a fase progressiva e a carreira do grupo que já não contava mais com Rita Lee, Arnaldo Baptista e o baixista Liminha.

Depois de 35 anos sem lançar material inédito, Os Mutantes agora voltam renovados, trazendo somente Sérgio e o baterista Dinho Paes Leme da clássica formação. Após o breve retorno em 2006, que rendeu CD e DVD gravados ao vivo em Londres e uma turnê, Arnaldo optou de vez pela reclusão no seu sítio em Minas Gerais e Zélia Duncan, que entrou substituindo Rita Lee (que passou longe de todos os convites de reunião desde que foi convidada a sair da banda em 1973), voltou a dar dedicação exclusiva para sua carreira solo. No lugar, entraram Bia Mendes (vocal), Fábio Recco (teclado e vocal), Henrique Peters (teclado e vocal), Vinicius Junqueira (baixo) e Vitor Trida (cordas, sopros e vocal).

“É um disco que representa o que o Mutantes é em 2010, no terceiro milênio, na tentativa de fazer algo que seja diferente. Traz muita força, muita garra e o trabalho de integrantes verdadeiros”, orgulha-se Sérgio que assume guitarras, vocais, produção e ainda a foto da capa (“Sempre gostei muito de corvo. Tava, então nas montanhas de Nevada e fiquei infernizando um até que ele olhou como quem diz ‘para ou você é o próximo a virar carniça’”). Feliz com o resultado do novo trabalho, ele chegou a encomendar uma guitarra nova para a turnê que já passou por Los Angeles, São Francisco, Seattle, Filadélfia, Nova York, New Orleans, Washington, entre outras, sempre com boa resposta do público. “Não dava pra fazer um disco agora com uma guitarra antiga. Essa é baseada na Regulus, mas traz tecnologia nova. Ela é bem mais amigável pra trabalhar. Tem um acesso ao braço muito melhor, alavanca nova, parte elétrica nova e inteirinha feita no Brasil”.

O repertório de Haih or Amortecedor traz seis parcerias com Tom Zé, que canta em Anagrama, uma inédita do antigo parceiro Jorge Ben (creditado sem o Jor) e duas somente de Sérgio. Entre os novos músicos, Vitor Trida contribuiu com Nada Mudou e Bia Mendes estreia como compositora numa parceria com Erasmo Carlos, Singing the blues, que entra como uma das surpresas exclusivas para a edição brasileira. “Eles (os novos integrantes) tinham total liberdade de fazer, compor e agir como quisessem. É ótimo ver que eles já são parte integral da banda. Tinha momentos em que eles é que diziam ‘mas isso não é Mutantes’ ou ‘esse som não é Mutantes’”, lembra ele rindo. E quando chega o momento de escolher a preferida: “É como dizer qual guitarra, gato ou filho. Cada hora é uma. Tem Querida Querida, Teclar… Sei lá, gosto do disco inteiro”.

Mesmo com músicos, repertório, disco e fôlego novos, Sérgio não nega a importância e a responsabilidade do passado dos Mutantes. “Eu sou quem eu sou desde os 13 anos. O que vivi nos Mutantes não tem preço, foi mágico. O Mágico de Oz é pinto. Nem Alice chegou perto”. Alçados ao posto de mito e grande nome do rock brasileiro, Os Mutantes chegaram ao fim, no início dos anos 70, deixando para trás uma longa história de mágoas, ressentimentos, tentativa de suicídio e muito som. Boa parte disso foi documentada no filme Loki (2009), de Paulo Henrique Fontenelle, baseado na vida de Arnaldo Baptista. “Ainda não tive tempo de assistir. Eu vivi aquilo tudo. Sei que é muito forte. Pra mim é até um pouco difícil. Tem tanta emoção misturada que tenho uma certa paúra. Lá você vê a ponta do iceberg, o resto ta no meu coração”, lamenta ele que ainda gostaria de ter o irmão na banda. “Arnaldo será sempre bem-vindo. Se ele quiser voltar, as portas estão… Aliás, nem porta tem”.

Até que esse dia aconteça, os planos de Sérgio Dias são de tocar com os Mutantes e trazer a turnê do novo disco para o Brasil, o que deve acontecer após setembro, depois que passar o verão europeu. “Esse movimento é bom pra poder, de certa forma, agradecer todo mundo pela recepção que estão tendo com o nosso retorno. São trinta anos mexendo na vida de outras pessoas. Ainda vamos colher muitas tempestades.”

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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