Passeando pelas ruas de São Paulo, o que se vê é uma cidade que convive entre o moderno e a tradição. Prédios antigos ao lados de caixotes revestidos de vidro por todos os cantos. Conhecendo a música do lugar, a coisa não é diferente. Há a tradição do samba em igual proporção que há a cena eletrônica guitarreira. Puxando para a tradição, um retrato bem tirado daquele lugar é encontrado nas palavras de João Rubinato, ou Adoniran Barbosa, como preferir. Digo que “é encontrado” porque o compositor paulista, falecido em 23 de novembro de 1982, não deixa de atrair a atenção e encantar novos fãs e novos sambistas. Uma prova do que está sendo dito está na homenagem, em tom de reverência, lançada pela Lua Music, como o nome Adoniran 100 anos. Tal qual dito no nome, o disco é uma marca para os 100 anos de nascimento de Adoniran, completados no último dia 6 de agosto. Seguindo a amálgama de tradição/modernidade, a seleção de cantores vai do canto ancestral de Jair Rodrigues à guitarra envenenada de Edgard Escandurra. Sem causar choque nem surpresa. Homenagem merecida.
>> Faixa a faixa:
1. Um Samba no Bixiga / Plac Ti Plac – Maria Alcina divide a história cômica de uma mão de pizza na casa do Nicolau numa festa cheia de rock e de samba. Contagiante.
2. Aguenta a Mão João – Bateria, pandeiro e surdo nas mãos de Chocolate, da banda de Lulu Santos. Aqui ele faz a cama para Virgínia Rosa fazer seu canto bonito.
3. Tiro ao Álvaro – Zélia Duncan dá um tom de reverência para o clássico de Adoniran.
4. Iracema – Voz e craviola de Tetê Espíndola levando Iracema para uma região entre o blues e o sertanejo.
5. Mulher, Patrão e Cachaça – “Mulher, patrão e cachaça em qualquer canto se acha”, filosofia do compositor aqui defendida pelo Quarteto em Branco e Preto em clima de mesa de bar.
6. As Mariposas – O lado garanhão do compositor é mostrado em tom comportado por Mart’nália.
7. Saudosa Maloca / Despejo na Favela – Pot-pourri dividido entre o canto cheio de história de Jair Rodrigues, em Saudosa Maloca, e uma ótima interpretação de Marquinhos Moura para Despejo da Favela. Excelente dobradinha.
8. Bom Dia Tristeza – Mais um dueto, agora de Cauby Peixoto, em ótima performance, com o acordeom de Dominguinhos.
9. Samba do Arnesto – Wanderléa e Thomas Roth brincam com o convite de “Arnesto” numa interpretação divertida.
10. Trem das Onze – Arnaldo Antunes e Edgard Escandurra transportam Adoniran Barbosa para um outro planeta musical, cheio de guitarras e suingue.
11. No Morro da Casa Verde – Parte menos conhecida do repertório de Adoniran, a canção vem na voz de Leci Brandão que faz um canto bonito numa das melhores faxias do disco.
12. Apaga o Fogo Mané – Cristina Buarque é tão importante para a história do samba quanto Adoniran. Ele como compositor, ela como conhecedora do assunto. É mais uma que, sem cerimônia, vai para a mesa de bar em sua interpretação.
13. Samba Italiano – Só Adoniran pra compor um sambão em italiano. Célia faz uma interpretação priorizando a afinação. Bonito, mas dá saudade da voz rouca do compositor.
14. Nois Viemo Aqui Pra que / Torresmo a Milasena / Jabá Sintetico – Laert Sarrumor, Ayrton Mugnaini Jr, Oswaldinho da Cuíca e Thobias da Vai-Vai faz fazem fila para cantar. Acrescenta pouco.
15. Armisticio / Joga a Chave / Já Tenho a Solução – Novo pot-pourri, agora com a ótima Fabiana Cozza ao lado de Matheus Sartori. Boas interpretações para letras que revelam a qualidade de Adoniran.
16. Prova de carinho/ Nois Não Usa os Blaque Tais – A primeira canção, uma bela poesia com Diogo Poças e colada, uma canção rara, trilha do filme de mesmo nome (na verdade, “Ele não usam black tie”), na voz de Verônica Ferrari.
17. Vila Esperança – Milena relembra os maneirismos das grandes cantoras do rádio numa música em tom de ópera do morro.
18. Quando te Achei – Parceria de Adoniran com a poetisa paulista Hilda Hist. Nesta versão, Cida Moreira mostra seu canto elegante e teatral.
19. Luz da Light / Acende o Candieiro / Tocar na Banda – Pot-pourri com, respectivamente, Vânia Bastos, Paulo Neto e Carlinhos Vergueiro variando entre diferentes ritmos de samba. Interessante.
20. Fica Mais um Pouco Amor / Pafunça – Graça Braga e Passoca se mostram fieis ao estilo de Adoniran. Ela, cantora paulista com um disco no currículo. Ele, 30 anos de carreira e com um disco de inéditas de Adoniran lançado em 2000.
21. Malvina – O Mulheres Negras, Maurício Pereira dá um clima latinizado para uma das mulheres de Adoniran. Célia Cruz deve ter gostado.
22. Abrigo dos Vagabundos – O violão virtuoso e a voz intimista de Eduardo Gudin são as bases para a crítica inteligente de Adoniran diante da falta moradia pra tantos “vagabundos”.
23. Mãe Eu Juro – Márcia Castro, acompanhada apenas pela guitarra de Rovilson Pascoal, transforma em oração o lamento de uma mulher dividindo com mãe os abusos do marido.
24. Conselho de Mulher – Para encerrar, os indispensáveis Demônios da Garoa mostram a força dos conselhos de Adoniran.