Seguindo na contramão dos apocalípticos que acham que a música vai acabar por conta da pirataria ou da internet, DJ Zé Pedro anuncia a abertura de uma nova gravadora. Joia Moderna é o nome da sua gravadora. Seguindo o “moderna” do nome da gravadora, supõe-se que trata-se de um espaço para a música eletrônica. No entanto, como anuncia a jornalista Patrícia Palumbo no material enviado à imprensa, “quem vê Zé Pedro animando a pista ou animado nas plateias, não sabe nada do Zé”. De fato, o Zé preferiu dar mais ênfase à outra palavra, “Joia”.

Para inaugurar este seu novo projeto, ele lança quatro trabalhos de cantoras. É isso mesmo, cantoras. A Joia Moderna é um espaço dedicado somente à voz feminina, instrumento musical que mais atraiu os olhos e ouvidos de Zé Pedro. Assim sendo, o time de veteranas que inauguram a gravadora apresentam trabalhos inéditos entre registros intimistas, tributos e retornos. Vamos a eles.

O primeiro é Negra Melodia, uma homenagem de Zezé Motta a Luiz Melodia e Jards Macalé. Negra Melodia é o nome de uma canção de Macalé gravada por Melodia no excepcional disco Real Grandeza (Biscoito Fino, 2005). Atriz guerreira e inteligente, Zezé tem uma voz doce que carrega a mesma carga dramática de sua interpretação cênica. Cantora temporã, ela já traz Melodia no seu repertório desde sua estreia solo em 1978 (antes, ela só havia dividido um disco com Gerson Conrad, ex-Secos & Molhados). Com produção de Thiago Marques Luiz (responsável pelos ótimos trabalhos que Cauby Peixoto lançou nos últimos anos), Negra Melodia enfileira Soluços, Anjo exterminado (Macalé), O sangue não nega e Onde o sol bate e se firma (Melodia).

O segundo é A Dama indigna, de Cida Moreira. Assim com fez há 30 anos em Summertime, esta divina intérprete paulista se acompanha apenas do próprio piano para fazer uma sequência de canções aparentemente desconexas. O repertório parte do blues Hotel das estrelas, sucesso de Gal Costa nos anos 70, e vai até Lost in the stars, de Kurt Weill. Há ainda espaço para Amy Winehouse, Chico Buarque e Caetano Veloso. Pouco conhecida do grande público, Cida é uma das melhores cantoras que o Brasil tem. Para se ter uma ideia do seu poderio bélico, sugiro ouvir seu tributo a Chico Buarque lançado em 1993. Também atriz, é mesmo nesse clima intimista que mostra o que sabe.

O terceiro é o início da série A voz da mulher na obra de… trazendo como primeiro homenageado o compositor uruguaio Taiguara. Compositor sofisticado, Taiguara foi nome fácil nos festivais de música da década de 60 e 70. Entre o romantismo de Universo no teu corpo e a luta de O Cavaleiro da Esperança, ele é dono de um repertório grandioso e bem pouco lembrado. Neste tributo, suas canções recebem a voz de Fafá de Belém, Teresa Cristina, Célia, Evinha, Claudette Soares e outras.

Por fim, o quarto é Ave Rara, de Silvia Maria. Tal como Zé Pedro descreve na apresentação do disco, “os ouvidos brasileiros pouco sabem de Silvia Maria”. Talvez por isso mesmo, este seja o disco que melhor represente esta Joia Moderna. Silvia estreou em disco em 1973, com Porte de Rainha, que trazia composições de Assis Valente, Edu Lobo e Ivan Lins. Seu próximo trabalho só veio sete anos depois, o independente Coragem. Depois sumiu. Tendo conhecido seu trabalho no início da década de 80, Zé Pedro fez uma peregrinação até encontrá-la num show em São Paulo. De lá, ela já saiu com a proposta do disco que vai trazer composições de Milton Nascimento, Marcos Valle e Eduardo Gudin.

O disco de Silvia Maria resume as razões pelas quais o DJ Zé Pedro decidiu abrir sua gravadora: a paixão pela música. Serão apenas mil cópias desta primeira fornada de discos (vendidos separadamente ou em um box com os quatro) que, segundo a gravadora, “pretendem atingir principalmente os admiradores e colecionadores da boa música brasileira, que ainda acreditam que um álbum é feito de uma capa interessante, um encarte contendo as letras das canções, alta qualidade dos fonogramas e um roteiro musical com começo, meio e fim”. Entre os planos, há agora a proposta de um ao vivo reunindo Alaíde Costa e Fátima Guedes com o áudio tirado do gravado em 2008 no teatro Fecap (SP). De fato, pelos trabalhos iniciais, a gravadora de Zé Pedro é uma Joia e o “Moderna” fica por conta da eterna qualidade e reinventividade das suas artistas.

>> Para mais: joiamoderna.com.br

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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