O paulistano Zé Miguel Wisnik não é homem de entregar o jogo de uma vez. Cantor, compositor, pianista, ensaísta, literato e apaixonado por futebol, ele não faz a menor questão de separar tantas vertentes na hora de se comunicar com seu público. Durante uma frase, ele vai de Platão a Pato Donald sem muito esforço. E é com essa gama de conteúdos e expressões que ele se cerca em Indivisível (Circus Produções), seu quarto trabalho como músico. Produzido por Alê Siqueira, o álbum duplo mistura cores e traços, e traz 25 canções em dois estojos independentes unidos por um imã. Bem legal. Em um deles, o protagonista é o violão virtuoso do fiel escudeiro Arthur Nestrovski. No outro, o melhor, o piano do próprio compositor é quem ganha destaque. Diferente de São Paulo – Rio (2000) e Pérolas aos Poucos (2003), Indivisível não recorre a uma gama de vozes para interpretar o repertório inspirado de Wisnik. Aqui, ele mesmo dá vida às canções. Embora sua voz aguda seja afinada e bem colocada, em alguns momentos soa enfadonha o que torna a primeira metade arrastada. As composições são assinadas por nomes plurais como Franz Schubert, Jorge Mautner e o tradutor moscovita Vadim Nikitin. Chico Buarque é convidado para dividir Embebedado, canção lançada em 2005 por Gal Costa. Marcelo Jeneci comparece em metade das faixas se revezando entre o teclado e acordeom. O grande momento nesta primeira parte de Indivisível é a marchinha Eva e Adão ou Marchinha da Família, tratando o preconceito às opções sexuais em tom carnavalesco. Na segunda metade do disco, Wisnik registra parcerias com André Stolarski, Antônio Cícero, Guinga, Alice Ruiz e Marcelo Jeneci. Com o convidado Luiz Tatit, ele divide a rancheira e auto-referencial Tristeza do Zé. Com Ruiz, ele escreve a pungente Dois em um, um dos melhores momentos do disco. Somente com seu piano, Wisnik encerra o disco com duas canções já gravadas por suas intérpretes. Cacilda, lançada por Bethânia em A força que nunca seca (1998), foi composta para um espetáculo de mesmo nome, dirigido por Zé Celso Martinez Corrêa. Já Se meu mundo cair, ganhou belíssima interpretação de Zizi Possi em seu imprescindível Mais simples (1996). Na voz de Wisnik a canção mantém seu tom dramático e caótico. Indivisível não é o melhor momento do compositor, mas merece ser ouvido pelos fãs da MPB mais elaborada. Ceratmente, trata-se de um trabalho feito cuidado e sinceridade.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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