Por Camila Holanda (@camilasholanda)

Ave Sangria escandalizou, incomodou e encantou Recife, em 1974, com letras que iam do romantismo à agressividade de uma moça carniceira. Os integrantes da banda usavam mertiolate nos lábios para chocar o público. Conseguiram.

A profusão de melodias e sentimentos produzidos pela psicodelia do grupo pernambucano é valiosa para a música brasileira. Aliás, os artistas do movimento Udigruidi, na década de 1970, são de extrema relevância, devido à irreverência e ao estilo prafrentex da turma.  Zé Ramalho, Lula Cortes, Alceu Valença e Marconi Notaro são alguns contemporâneos do Ave Sangria no movimento cultural.

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No primeiro e único disco do grupo formado por Marco Polo, Almir de Oliveira, Ivson Wanderley, Agrício Noya, Israel Semente e Paulo Raphael, vê-se o desatino de jovens inquietos que viviam em um Brasil paradoxal: de um lado, a contracultura, do outro, a ditadura. Ir contra os padrões fazia a cabeça deles. Ave Sangria também foi alvo das censuras do governo militar. A ilustração da capa do único disco da banda foi submetida a modificações, depois, definida pelos integrantes como sendo um papagaio drag queen. Após esse trabalho, feito sob vários problemas, a banda voltaria com o show Perfumes & Baratchos, que acabou servindo como uma despedida da curta carreira. Cinco anos depois, o guitarrista Ivinho seria o primeiro brasileiro a tocar no lendário Festival de jazz de Montreux, na mesma noite em que Gilberto Gil tocaria ao lado de Pepeu Gomes. Acompanhado somente pelo violão de sete cordas, ele improvisou cinco temas na hora que ficaram registrados em disco.

Destaques musicais

Dois navegantes é a primeira faixa do disco lançado em 1974, com produção do ex-Jovem Guarda Marcio Antonucci, e que hoje ganhou ares míticos. Uma viagem de sinestesia. “Só deixes o vento que solta teus cabelos, espelhos dos meus”. Se o ouvinte deixar-se levar um pouco, sentirá até a maresia que sai da canção Dois navegantes. Pulando para O Pirata, quarta composição, baixo, guitarra, percussão, bateria e letra encaixam-se em uma sincronia que dá vida à música. Seu Valdir é para curtir a dor de cotovelo de forma animada. Por que tem um diferencial: o triângulo embalado por Agrício Noy. Sem dúvidas, Geórgia, a carniceira é a música que mais incomoda, quando fala: “Geórgia, a carniceira dos pântanos frios, das noites do Deus Satã, jogando boliche com as cabeças das moças mortas de cio. No levantar das manhãs de abril”. Ademais, todo o disco merece atenção especial: letras, melodias e arranjos são despojados e alinhados, em sintonia com o paradoxo de tudo o que envolvia Ave Sangria.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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