No mesmo ano em que Marina Lima volta às lojas com o seu modernoso Clímax, a jornalista Patrícia Palumbo arregimenta 12 cantoras da nova safra brasileira para reconstruir canções obscuras do repertório da roqueira carioca. Patrícia foi convidada pelo DJ Zé Pedro, dono da gravadora Joia Moderna, por onde sai o tributo bem batizado de Literalmente Loucas. O nome do projeto foi tirado de uma música do disco de estreia de Marina, mas que curiosamente ficou de fora do disco.  Assim como é praxe da homenageada quando se apropria de outras canções, a ideia de Literalmente Loucas foi realmente desconstruir e reconstruir não-clássicos para provar a atualidade e versatilidade da obra feita quase toda ao lado do letrista Antônio Cícero (irmão da cantora). Entre ótimos  e bons momentos (e poucos escorregos), o objetivo foi bem alcançado. Veja no Faixa-a-Faixa:

1. Memória fora de hora (Marina/ Cícero) – lançado no inaugural Simples como fogo (1979), esta canção lançada como um reggae, virou um dance curioso, cheio de feitos, na voz sempre doce de Tulipa Ruiz. Se firmando como uma das melhores dos últimos tempos, a paulistana se apropria sem medo e faz bonito.

2. Quem é esse rapaz (Marina/ Cícero) – Pop bem oitentista do disco Certos acordes (1981), esta balada meio jazzy ganha uma veia indie brega com a voz curtinha da paulista Andrea Dias. O destaque fica para a guitarra de Léo Chermont. Há também um toque abolerado que dá um charme à releitura.

3.Por querer (Marina/ Cícero/ Nico Rezende) – Uma das mais belas e sensuais baladas românticas de Marina, foi lançada no disco Todas (1985). Dona de um dos melhores discos de 2010, Bárbara Eugênia se equivocou ao tirar a sensibilidade e colocar num rock. Pra quem conhece o original, desce rasgando.

4. Meu doce amor (Marina/ Duda Machado) – Inédita na voz de Marina, esta foi sua primeira canção gravada. No caso, por ninguém menos do que Gal Costa no espetacular disco Caras & Bocas (1977). Ainda vivendo sua fase hippie, a baiana deu ginga a este desabafo de uma mulher abandonada. Márcia Castro soa mais contida, mas não menos intensa.

5. Confessional (Marina) – Balada apaixonada alocada no finzinho do disco Virgem (1987), esta canção ganha fúria com o acompanhamento da banda Tono. No vocal, Karina Zeviani, do coletivo internacional Nouvelle Vegue, faz bonito. O arranjo bluseiro faz bem à canção.

6. Bobagens, meu filho, bobagens (Marina/ Cícero) – Mais uma inédita na voz da autora, esta foi lançada por Caetano Veloso no inspirado Uns (1983). A estreante Graziela Medori, filha da cantora Claudya, não tem o mesmo apelo vocal de Caetano, mas segura bem a onda e não tem medo de mexer nos ritmos e climas da composição.

7. À meia voz (Marina/ Cícero) – A canção que batizou o disco Registros à meia voz (1996), revela no nome o resultado da depressão por que passou Marina naquele ano, fazendo a cantora perder a voz por um tempo. Composta como um funk pesado, Anelis Assumpção aposta na inventividade e refaz a música. Uma das releituras mais surpreendentes deste tributo.

8. O meu sim (Marina/ Cícero) – O ótimo disco Marina Lima, de 1991, é o primeiro que traz a compositora assinando com nome e sobrenome. Nesta canção sobre a solidão, Nina Becker respeita a ideia original, mas crescenta climas e camadas cool sobre sua voz. Apesar de ter recursos vocais limitados, ela sabe usá-los bem.

9. Tão fácil (Marina/ Cícero) – Também de Simples como fogo, esta foi concebida como um blues autêntico com Marina se derramando sobre o microfone. Como para Karina Buhr nada pode ser tão fácil (ops!), ela casa e batiza indo do rock ao dance. Com boa vontade, tem até uma bossinha. Claro, o sotaque recifense é o charme e está lá.

10. Alma caiada (Marina/ Cícero) – Bem apresentado em 1979 por Zizi Possi e inédito na voz de Marina, este é mais um blues da primeira safra da compositora. Iara Rennó esquece os limites e leva a canção para o espaço. Sem chão ou muros, ela enche os três minutos e meio de ruídos, gemidos e inserções. Resultado curioso e arrepiante.

11. Seu nome (Marina/ Cícero) – Mais uma dos primórdios de Marina, lançada no disco Certos Acordes (1981). A desconhecida Joana Flor faz da baladinha oitentista uma bossinha eletrificada. O canto agudo da carioca parece respeitador ao original, mas também imprime personalidade. Atentem para o “isso é fatal”.

12. O solo da paixão (Marina/ Cícero) – Mais uma balada inspirada de Marina lançada em Registros à meia voz (1996). Claudia Dorei se divide entre voz e trompete e deita sobre uma cama de programações. É um encerramento climático para um tributo merecido a uma cantora e compositora que merece ter sua história redescoberta.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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