Por Camila Holanda (@camilasholanda)

“Não tenho nostalgia de nada. Vamos pra frente”, disse Fausto Nilo, no início de uma conversa em seu escritório, referindo-se à trajetória de poeta. Há 39 anos, suas poesias são interpretadas por cantores como Moraes Moreira, Chico Buarque, Raimundo Fagner, Ney Matogrosso, Nara Leão, Gal Costa, Marília Medalha, Pepeu Gomes, Maria Bethânia, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Simone e tantos outros. Por vezes, seus versos dilaceram, elegantemente, os sentimentos que ainda estavam em equilíbrio. Noutras, invadem multidões em alegria de carnaval.

O poeta, nascido em Quixeramobim, é low profile e adora caminhar pelas ruas, a observar o comportamento de pessoas desconhecidas. Como diria João do Rio, ele é um flanador. Fausto é um dos maiores compositores do Brasil e arquiteto consagrado que projetou locais de referência em Fortaleza, como Centro Cultural Dragão do Mar e Praça do Ferreira.

Começou a esboçar os primeiros traços de desenho aos oito anos, ainda em sua cidade de origem. Aos onze, veio morar na capital, onde, anos depois, estabeleceu relações de amizade que, naturalmente, o conduziram para a poesia. Durante a faculdade de Arquitetura, na década de 1960, fez parte da turma conhecida como “Pessoal do Ceará”, mas a rotulação não o agrada. “Quando separa a música por regiões, se reduz a densidade real do nosso trabalho no País”. O grupo era formado por nomes como Ednardo, Fagner, Amelinha, Teti, Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Ricardo Bezerra.

Fausto Nilo tardou a gravar um disco. O primeiro de quatro, veio em 1997, o Esquinas do Deserto, mas antes já havia feito algumas gravações para projetos culturais, como Coração Condenado, em dueto com Núbia Lafayette para o disco Soro, produzido por Fagner em1978.

Atualmente, o poeta não tem projetos concretos de novo disco ou shows solo previstos em Fortaleza. Mas adianta que compôs duas músicas e vão estar no próximo trabalho de Fagner. Então, em breve, Versos ardentes e Balada fingida poderão ser apreciadas.

DISCOGRAFIA – Como era a relação com sua turma do “Pessoal do Ceará”?

Fausto – Não gosto dessa definição. Quando se separa por regiões (música de Pernambuco, Ceará…) se reduz a densidade real do nosso trabalho no País. Isso tem servido muito para nos isolar. Bem, eu fui o mais tardio a produzir algo. A nossa turma se encontrava nos bares da cidade. Eles me envolviam em tudo, eu era sempre convidado. Minha atividade principal era cantar. Era muito bom aquilo. Talvez, no bar, com a cervejinha, eu tivesse a maior quantidade de horas cantadas.

DISCOGRAFIA – Você cantava, mas já havia pensado em fazer poesia?

Fausto – Não tinha muito interesse, mas o Fagner pediu que eu fizesse uma letra. Então, fiz a primeira (Fim do Mundo) e, logo, foi gravada pela Marília Medalha.

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DISCOGRAFIA – Seu primeiro disco foi lançado em 1997, mas você já havia participado do disco Soro (produzido pelo Fagner). Por que você demorou tanto a gravar?

Fausto – O Soro era um projeto cultural de experiência do Fagner. Eu tava muito satisfeito em ser letrista, eu adoro isso. Quando eu passei a ser um nome de referência, achei bacana e satisfatório. Mas eu nunca pensei em gravar um disco. Sempre soube que a minha voz não era a mais adequada para estúdio. Meu timbre não é de um cantor convencional, não é uma voz tão palatável.

DISCOGRAFIA – A sua primeira gravação foi a música Coração Condenado, no disco Soro, como ela surgiu?

Fausto – Eu morava no Rio de Janeiro e, um dia, eu estava com a Amelinha perto da (gravadora) CBS e vimos a Núbia Lafayette sentadinha, lixando as unhas. E eu disse pra Amelinha quem era. Aí, fomos lá, nos apresentamos, Núbia foi muito gentil. Quando estávamos indo embora, ela falou: “Ei, compositor, escreva uma letra pra mim”. Aquilo foi uma coisa incrível, fiquei emocionado pra caramba. Então, um dia, eu acordei meio de ressaca e ouvi Stélio Vale e o Gracco tocando violão no apartamento em que morava. Comecei a improvisar, me inspirando nas músicas que o Adelino Moreira fazia, uma paródia, mesmo. Não tinha papel nem caneta. Aí, os amigos começaram a chegar, porque ia ter uma feijoada. No final da tarde, estava todo mundo cantando. Aí, o Fagner chamou pra eu ir gravar com a Núbia nesse projeto cultural que ele ia produzir.

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DISCOGRAFIA – Nas suas letras, há uma persistência na cor azul. É algo proposital ou você se deu conta com o passar do tempo?

Fausto – Eu não tinha consciência disso, até o dia em que fiz uma apresentação no Rio de Janeiro e o amigo poeta Geraldo Carneiro estava na platéia, com a Giulia Gam, e me chamou a atenção para essa persistência do azul. Até aquele dia, eu não tinha noção disso. Passei a ter duas posturas: o cuidado para não usar muito o azul e as pessoas dizerem: “lá vem o azul!” e , ao mesmo tempo, quando é viável, eu uso.

DISCOGRAFIA – Então, como você pode definir o azul de suas poesias?

Fausto – Tem palavras que ganham muitos significados indizíveis para um poeta. E que essas palavras podem traduzir várias circunstancias. No caso, azul. Não é o azul do Roberto Carlos. Mas é o azul da distância. Acho que ele me socorre quando me falta palavra para dar uma dimensão exata. Fiz uma nova música com o Fagner, agora, e ta lá o azul de novo. “Minha casa era um vento azul”. São palavras bastante indizíveis, mas reais, poéticas. É distância. Pra dizer que algo está longe, inalcançável. O trabalho de compositor não tem fim. Ele tenta, dessa maneira, publicar coisas que antes eram indizíveis. Cada pessoa interpreta as músicas de acordo com sua subjetividade. As pessoas têm uma necessidade de uma decifração banal. É o contrário.

DISCOGRAFIA – Como surge sua poesia?

Fausto – O que eu gosto é de letrar as melodias. Eu tenho uma coleção enorme de melodias que as pessoas liberam ainda por fazer. Só do Dominguinhos, eu devo ter ainda umas 40 canções. Porque eles vão me dando e eu vou guardando. Quando eu recebo uma melodia, ouço e, às vezes, volto a ouvir. Mas se, de repente, eu me pego cantarolando, começo a me interessar. Eu deixo que ela entre ou não. Porque se a música não tem força para entrar na minha imaginação e memória, não terá, provavelmente, para chegar aos outros. Não digo que é um critério perfeito, mas meus parceiros sabem disso. Raramente, começo pela primeira frase. Vai de forma desorganizada. Sei nem o que vou dizer no começo, mas aparece uma frase que conclui. Vou entrando nessa luta. Canso um pouco, paro, vou pra outra. Já passei 15 anos para escrever uma música da Suely Costa, gravada pela Nana Caymmi (Fumaça das horas). Mas, outras vezes, em cinco minutos, escrevo. Lua do Leblon, eu escrevi e fui dormir. Mas é muito raro. Retrovisor também foi assim. Às vezes, é duro, também.

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DISCOGRAFIA – No seu trabalho de letrista há muitas alusões a temas urbanos. De que forma arquitetura e poesia convergem?

Fausto – O desenho apareceu na minha vida aos oito anos e nunca mais parei. Eu não tenho máquina fotográfica. Viajo pelo mundo e faço os registros por meio de desenhos. Eu convivo muito bem com as duas atividades. Sou uma pessoa interessada nos acontecimentos de pessoas anônimas. Poderia ser escritor, mas eu não sei ser.

DISCOGRAFIA – E você não tem interesse em escrever um livro?

Fausto – Tenho, mas acho muito tarde, é uma arte difícil. Eu teria de aprender uma outra linguagem.

DISCOGRAFIA – As pessoas costumam ser saudosistas das gerações que passaram. O que você acha da nova geração de MPB, como Tulipa Ruiz, Tiê, Marcelo Jeneci e Bárbara Eugênia?

Fausto – Eu acho bacana e vital. Assim como minha geração fazia diferente da anterior, outras virão e farão diferente da gente. Eu não faço juízo de valor, apenas a identificação de diferenças. Hoje em dia, não se precisa mais da métrica, da prosódia, e noto que isso não faz falta. Porque o público aceita. Cada um na sua. A pessoa que mais admiro na música brasileira chama-se João Gilberto, porque ele tem uma maneira própria em que acredita e se manteve nela, atravessando ostracismos, sem se adaptar a nada e vai concluir sua vida e carreira com o mesmo projeto. O Fagner se dana quando digo isso, mas daqui a pouco, eu não vou mais precisar compor. Eu já fiz muito. É natural que outras pessoas apareçam com uma nova maneira. Com o tempo, o que minha geração faz vai interessar a um grupo cada vez menor.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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