Reconhecida como uma das maiores atrizes brasileiras, Marília Pêra nunca deixou de lado seu trabalho como cantora. Com alguns discos gravados, muito da sua carreira paralela se deve exatamente a desdobramentos da sua atuação no teatro. Foi assim com o espetáculo Elas por Ela e com seu tributo a Carmen Miranda. O mesmo aconteceu com a peça Feiticeira, idealizada em parceria com Nelson Motta. No palco, a proposta era juntar a atriz e a cantora Marília Pêra num roteiro de Fauzi Arap com direção de Aderbal Junior. Com ares de grande produção, Feiticeira contava com a participação ao vivo da banda Vímana, que tinha com integrantes Lulu Santos, Ritchie e Lobão, futuros ícones do rock brasileiro. A estreia no Rio de Janeiro em 1975 foi um fracasso tremendo que se repetiu nas demais exibições.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=hVl9KzUe_PM[/youtube]Sem desistir da proposta, Nelson Motta decidiu gravar o repertório de Feiticeira e num disco intrigante que acabou ganhando o carimbo de Cult e um relançamento recente em CD pela gravadora Joia Moderna. Sem perder a veia cênica, Marília alinha presente, passado e futuro ao longo de 13 faixas. Lamartine Babo ganha tom Broadway em Canção pra inglês ver. Além do Vínama, que participa no rock O avô do Jabor, Marília aproveita o disco para apresentar Geraldo Azevedo (A natureza), Eduardo Dussek (Alô Alô Brasil) e Alceu Valença (O medo). Da geração que incendiava aqueles anos 1970, estão os malditos Walter Franco (participando em Dança da feiticeira), Jards Macalé (Sem essa) e João Ricardo (Não digas nada, sucesso dos Secos & Molhados). Embora tenha tido pouca aceitação na época, principalmente pela estranheza do repertório, trata-se de um retrato no mínimo curioso de uma inquieta atriz cantora.
Tive a oportunidade de entrar em contato com esse trabalho por meio da música “Natureza” no contexto religioso das sessões de ayhuasca da União do Vegetal. Mais tarde outras versões dessa música surgiram, que tem suas raízes nas composições dos repentistas nordestinos, particularmente com Otacílio Batista e Oliveira de Panelas, e também Zé Ramalho.
É de, fato, um trabalho original e instigante da grande atriz-cantora Marília Pêra.