“Minas sempre foi uma terra muito musical”. Essa foi uma das últimas frases de Lô Borges em entrevista por telefone com O POVO. De fato o compositor não se engana quando joga o tom elogioso para sua terra, mas omite um detalhe. Ele é um dos grandes incentivadores desta vocação mineira. Egresso do Clube da Esquina, movimento setentista que misturou a tradição brasileira com o pop inglês (leia-se Beatles), ele, Milton Nascimento, Beto Guedes, Flávio Venturini e outros, compuseram dois álbuns coletivos (1972 e 1978) considerados ainda hoje clássicos da música brasileira.

Braço mais pop da turma do Clube, Lô Borges seguiu sua carreira se dedicando mais à estrada do que à composição. Essa ordem só se inverteu há pouco mais de 10 anos, quando seu filho Luca nasceu. E é pra ele e sua geração que o novo fruto desta boa fase como compositor é dedicado. Horizonte Vertical é o quarto disco que o cantor lança nesta década. “Fiquei pensado: ‘esse cara (Luca) quando tiver 10 para 12 anos vai ouvir o Clube da Esquina e vai ver que eu fiz uma coisa bacana’. Isso é uma coisa motivadora”, explica antes de apontar outro fator que contribuiu para a enxurrada de músicas novas, muitas delas ainda inéditas. “A coisa mais importante como artista é a composição. É uma maneira de estar comentando as impressões da vida, do mundo. Se ficar só nos sucessos, fica parecendo déjà vu”.

Embora ele assuma que não tem escutado muita coisa nova, nem reconheça como algo de caso pensado, é fato que Horizonte Vertical tem frescor contemporâneo e uma atmosfera que lembra em muito o novo pop inglês. Compostas todas a partir do piano, as 12 faixas inéditas ganharam acompanhamento dos músicos Barral e Robinson Matos (ambos co-produtores) que se dividiram entre vários instrumentos. Em seguida foram jogados ruídos, climas e efeitos por cima. A balada De mais ninguém abre o trabalho entregando toda a ideia, com seus momentos de calmaria e explosão.

Já a etérea On Venus ganhou o auxílio de Fernanda Takai nos vocais. Convidada para participar de uma faixa, a vocalista do Pato Fu foi ouvindo outras e acabou entrando em mais três. Entre elas, a balada Antes do Sol demorou 30 anos pra ficar pronta. “Ela veio nos anos 1980 de uma forma incompleta. Isso acontece. Costumo dizer as canções escrevem órbitas. Às vezes essas órbitas são mais curtas, às vezes não”, conta o compositor acrescentando que todas as canções do disco novo foram feitas entre 10h e 13h. Outro convidado de Horizonte Vertical é Samuel Rosa, com quem Lô já vem compondo há 11 anos. Dessa experiência, eles já criaram um método: exclusivamente melodias e sempre ao vivo. Para a nova safra, a dupla arregimentou letristas como Nando Reis, na canção que dá nome ao disco, e Patrícia Maês, esposa de Lô, no rock Nenhum Segredo.

Sem nunca deixar de lado o Clube que o lançou para a música, convida também o parceiro constante Milton Nascimento e a ele dedica o curioso Mantra Bituca, exaltando o famoso apelido do amigo. Juntos eles ainda dividem Da nossa criação, que segundo o anfitrião, é uma “balada beatle” que conta a história de amizade da dupla. Cantando frases como “invento com meus versos um universo pra caminhar”, eles expõem a necessidade vital que ambos sentem de criar canções. “Sou fascinado com o inédito. Faço mais discos do que minha capacidade de lançá-los. Gostaria de chegar na idade do Niemeyer compondo”, encerra Lô Borges.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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