Sabe quando você põe um disco pra tocar pela primeira vez e bate uma sensação de que algo não está no lugar? É como se você já esperasse ouvir algo, mas o que se mostra vai para outro caminho diferente. Assim foi com Bebe Chuva, segundo disco do cantor e compositor carioca Glauco Lourenço. Embalado num projeto gráfico de cores pálidas que pouco dizem sobre o conteúdo, o disco sucede o elogiado Abalo Sísmico, que reunia apenas parcerias com Mathilda Kovak. Admitindo influências de Miles Davis, Joni Mitchell, Anita O’Day, Glauco fez um disco basicamente de jazz. Mas, ao me referir ao jazz, não pense num jazz bossanovística à la Diana Krall. Mas sim a algo próprio dos instrumentistas que buscam viajar nos sons, nas possibilidades, mais do que necessariamente a uma mensagem da letra. Bebe Chuva vai se mostrando mais intrigante a cada nova volta que dá na bandeja. Isso já fica impregnado na dissonância da faixa título, que traz letra de Suely Mesquita. Com uma voz aguda e bem colocada, ele enche as 12 canções (quase todas em parceria com Suely) de nostalgia combinada com tristeza, dando uma proximidade única com o ouvinte. Algo como se ele lhe falasse diretamente ao ouvido. Essa intimidade fica ainda mais evidente com o piano delicado de Ana Azevedo em canções como Angola, uma espécie de canção política de protesto. Mas, com boa vontade, ela pode explodir desse nicho e ir para outros caminhos. Além do piano, o cantor ainda se cerca de Edu Szajnbrum (bateria), Lipe Portinho (baixo) e João Gaspar (guitarra), músicos que tocam com Glauco há mais de três anos. Já em Automático ele expõe seus motivos para tanta proximidade com seu ouvinte. “Agora é diferente. Eu ando olhando pra frente e empurrando o coração num vagão de trem. (…) Coração tem que dar corda. Se eu não vigio, transborda”. Como letrista, Glauco também sabe se expor. Em Nada ele cria uma poesia quente e urgente, sobre beijos que incendeiam e tochas que se inflamam. Produzido, dirigido e arranjado pelo próprio Glauco Lourenço, Bebe Chuva é um raio-x do que há dentro do cantor compositor que diz em Ovo no Ninho “meu ninho era de penas que tirei do peito”. Mais intrigante ainda é ver que a maior letra de Bebe Chuva é um relato sobre os vários tipos de pelo. Pelos Públicos fala em “pelos arrancados, cortados, pintados, raspados, derretidos com químicas inacreditáveis que pinicam a pele”. Lançado de forma independente, com o apoio da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, Glauco promete que em breve o disco vai estar disponível para download em seu site oficial. Mas todas já podem ser ouvidas na íntegra. Sugiro que você confira.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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