O dia 18 de fevereiro de 1986, o Brasil perdia não só um dos seus compositores mais inspirados, mas também um dos seus personagens mais folclóricos. O carioca Nelson Antônio da Silva era um boêmio incorrigível que tirava da noite e dos frequentadores a matéria-prima para suas músicas. Se tivesse vivo, Nelson Cavaquinho, como ficou imortalizado, estaria completando 100 anos em 2011. No entanto, quiseram os céus que ele partisse aos 74 anos, vitimado por uma enfisema pulmonar.

Desde cedo, o sambista costumava pedir, no lugar das costumeiras homenagens póstumas, lembrassem dele ainda vivo. Ainda assim o parceiro e amigo Carlinhos Vergueiro não perdeu a efeméride e colocou nas lojas sua homenagem. O disco Carlinhos Vergueiro Interpreta Nelson Cavaquinho – 100 anos (Biscoito Fino) reúne 12 canções do violonista (apesar do “sobrenome” Cavaquinho), dando destaque a clássicos como Pranto de poeta, Folhas secas e Palhaço. Embora creditada somente a Zé Ketti, O meu pecado é uma parceria com Nelson, que teve seu nome excluído por decisão da gravadora. Há ainda Palavras malditas, canção rara lançada em 1950, redescoberta por Beth Carvalho, no seu disco mais recente, e agora por Vergueiro.

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Por telefone, Carlinhos Vergueiro conta que este disco começou a ser pensado em 1984, quando produzia Flores em Vida, o último disco de Nelson Cavaquinho. “Eu consegui que ele fizesse o disco pela (gravadora) Eldorado, junto com um documentário e outras homenagens em vida”. Além de tocar juntos, a dupla também costumava rodar pelos bares da noite carioca. “De todo mundo que eu conheci, o Nelson foi o mais resistente pra bebida. Eu chegava no Bar do Zé e, quando chegava uma hora, saía pra dormir. No dia seguinte, quando voltava, ele ainda estava lá”, lembra o cantor entre outras histórias. Em outra delas, Carlinhos recebeu uma ligação da mulher Nelson perguntando se ele saberia do paradeiro do compositor. Com medo de uma briga matrimonial, ele preferiu mentir que não. A esposa então perguntou: “mas ele tava bebendo?”. Carlinhos: “bom… tava sim”. “Graças a deus. Eu ficaria preocupada se ele não tivesse”, respondeu ela aliviada.

Para Nelson Cavaquinho, o palco poderia estar num teatro, num botequim ou até no meio da rua. Sem nunca ter ligado para posses ou patrimônio pessoal, ele era bom mesmo era reunir amigos pra fazer música. Da mesma forma, Vergueiro convidou os seus para este tributo e mais uma vez se remeteu ao disco Flores em Vida. Cristina Buarque, com quem dividiu a produção do disco em 1984, participa de Beija-flor. Chico Buarque, que fez dueto com Nelson em Dona Carola, agora escolheu Nome Sagrado. E o baterista Wilson das Neves, que na época não cantava, agora assume os vocais em Folhas Secas.

No ano passado, Carlinhos Vergueiro homenageou Adoniran Barbosa, outro parceiro e amigo, e agora tem planos regravar canções de Paulo Vanzolini. A homenagem a Nelson Cavaquinho, confessa, foi uma forma de não deixar o amigo com ciúmes. “Tive a sorte de conviver com muitos dos meus ídolos. Pra mim, o Nelson era o Garrincha do samba. Eles tinham a mesma ingenuidade e pureza”, conta ele que também tem planos para um trabalho autoral. No que depender dos seus amigos, seja como autor, seja como intérprete, ele vai estar bem abençoado.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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