Em meados de 1978, Elis Regina estava trazendo para o Nordeste sua turnê Transversal do Tempo. Idealizado durante um engarrafamento em São Paulo provocado por uma manifestação de estudantes. Naquele momento, a cantora pensou em medo, esperança, ditadura, despedidas e reencontros. “Os dias eram assim”, cantou ela em Aos Nossos filhos, tempos depois. Na época, a atriz e jornalista Erotilde Honório dirigia a peça Os Saltimbancos, e encontrou por acaso com o empresário da turnê. Mesmo sem experiência com produção ou dinheiro para bancar uma vinda da estrela, ela teve curiosidade de saber quanto custava e acabou aceitando bancar a produção junto com o marido Ivo Roza. Foram três noites com o Centro de Convenções lotado, entre os dias 30 de junho e 2 de julho.

“Vendemos uma Caravan para pagar o primeiro show e, a cada show que terminasse, tínhamos que pagar a noite seguinte com o apurado”, lembra ela, que nem era tão fã assim da cantora. “A informação que eu tinha é que ela era chata, neurótica, arrogante”. De repente, no primeiro contato com a equipe se surpreendeu com a simpatia do diretor Maurício Tapajós. Além dos músicos (entre eles o marido César Camargo Mariano), Elis trouxe seus três filhos, João Marcelo (então com 8 anos), Pedro (3) e Maria Rita (menos de um ano). “Fiquei impressionada por que o Pedro a Maria Rita eram totalmente caolhos”, lembra sobre o tão falado estrabismo herdado da mãe.

Apesar da imagem negativa, Elis foi bem simpática com a equipe de aventureiros que a recebeu em Fortaleza. A única exigência feita para o camarim foi uma garrafa de vodka Wyborowa, até então bem rara na cidade, que logo cedo começou a ser consumida pela cantora. Diante da boa receptividade de Elis, Erotilde quis realizar o sonho de um dos seus companheiros de teatro. Ator iniciante e já com queda para cantor, o jovem era Marquinhos Moura, cearense que estouraria tempos depois com Meu Mel.

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Entre as imitações que Marquinhos costumava fazer nos bastidores, a de Elis já era famosa pela perfeição. “Quando minha diretora Erotilde me apresentou à Elis, e disse que eu era um fã e rival, ela não acreditou e caiu na gargalhada. E eu completamente paralisado”, lembrou ele recentemente, em entrevista para O POVO. Ele então resolveu demonstrar ao vivo sua performance. Nesse momento Elis não viu graça nenhuma. Embora não tenha sido grosseira ou dito nada, Elis trancou a cara e fez questão de deixar claro que não gostou da homenagem.

Passados os três dias de show (de sexta a domingo), a anfitriã levou Elis e família para conhecer a Prainha onde a estrela se encantou com o artesanato local. Em especial, uma toalha de mesa com motivos orientais que não pode ser levada na hora por que ainda estava sendo confeccionada. Erotilde voltou ao local para comprar a toalha com intenção de encaminhar para a artista. Por conta dos contratempos do dia a dia, a encomenda não chegou a ser enviada e hoje fica guardada como uma lembrança daqueles momentos.

https://www.youtube.com/watch?v=pODeQioMGRU

Da turma toda, César Camargo Mariano era o mais calado. Por outro lado Elis não deixava de comentar sobre assuntos como Maria Bethânia (“como ela desafina”) e maternidade (“eu me sinto a pessoa mais irresponsável do mundo por colocar três meninos nesse mundo”). “No dia seguinte, não pude levá-la ao aeroporto. Me despedi e fui embora. Quando cheguei em casa, o telefone toca e era ela agradecendo. A fama de pedante foi ao chão completamente”, admite Erotilde que voltou a encontrar a estrela anos depois, em um restaurante de Fortaleza, durante uma nova turnê. “Já estávamos de saída quando vimos ela chegar. Elis veio encantada, me deu um abraço e disse ‘nunca mais eu venho a Fortaleza sem ser convidada por vocês’. Parece que o show não foi tão bom”. Pouco tempo depois, a cantora faleceu em São Paulo, deixando uma legião de fãs perplexos, enquanto no Ceará sua toalha de mesa com motivos orientais continua guardada esperando o dia de ser entregue à dona.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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