Em 2010, a gravadora Universal colocou nas prateleiras a coletânea Sabiá Marrom, com 20 fonogramas raros e antigos da sambista Alcione. Exibindo a já conhecida e poderosa voz, o disco relembra uma porção mais jocosa, criativa e exuberante da carreira da Marrom em início de carreira. No entanto, com o passar do tempo e a chegada dos anos 80, o que se viu foi uma aproximação da cantora maranhense com um romântismo recheado por um alto teor de glicose, que acabou por separando os fãs entre antes e depois dessa mudança. Hoje, aos 40 anos de carreira, Alcione não voltou a reunir essas duas facções de fãs, mesmo que procure mesclar momentos sofisticados e populistas em cada disco que lance. Um resultado disso está no projeto duplo Duas faces, lançado pela gravadora Biscoito Fino, cuja segunda parte acaba de chegar às lojas. No primeiro volume, lançado em 2011, Alcione encontra amigos como Djavan, Emílio Santiago e Maria Bethânia em estúdio para fazer um repertório supostamente mais esmerado. Já o segundo volume leva a sambista para o terreno onde ela se sente mais em casa, o barracão da escola de samba Mangueira. No entanto, mesmo pisando em solo sagrado do samba, Alcione insiste naquele pagode noventista cheio de juras de amor bandido. São 17 faixas, aparentemente sem tratamento pós gravação, que sentem uma dificuldade imensa de deixar o disco fluir. A abertura com Tem dendê e Figa de guiné remettem àquele ótimo Sabiá Marrom, mas logo deixam a bola cair em declarações efusivas de paixão como “te cacei como um brinquedo” e “cortar as asas do perdão”. E assim segue em boa parte dos 66 minutos de show. Assim como como foi no primeiro Duas faces, este também traz algumas participações especiais. A primeira é Leci Brandão que divide majestosa a faixa Verde e Rosa, de Silvio Cesar, em homenagem à escola de ambas. No entanto, a única coisa que justifica a presença de MV Bill fazendo um rap cheio de trocadilhos com os sucesso da Marrom em Meu ébano é o fato dele ser um cantor negro. Mas, de fato, o artista pouco acrescenta à faixa. Presença obrigatória nos discos de samba mais recentes, Jorge Aragão coloca sua voz monocórdica na própria composição Na mesma proporção, e fica por isso mesmo. Já em No poder da criação, Diogo Nogueira faz as vezes do pai numa faixa que pode figurar entre as mais belas composições do samba. Mas entre tantas oscilações, Duas Faces Ao Vivo Na Mangueira tem lá seus momentos luminosos. Mulher bombeiro, de Nei Lopes e Ruy Quaresma, é um samba de breque cheio de malícia e graça. Também de Nei Lopes, agora com Reginaldo Bessa, Velho Barco é um acerto sincero de contas com a própria história que ganha pelas belas melodia e letra. Para encerrar, nas faixas O filho fiel, sempre Mangueira e Brasil de Oliveira da Silva do Samba, Alcione chama ao palco a bateria da Mangueira pra transformar tudo em Sapucaí. E é nesse momento que ela mostra o que realmente foi fazer na Mangueira. Ou seja, ainda não foi dessa vez que a Marrom acertou as contas com o passado e reuniu as duas metades dos seus fãs.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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