Em 1995, após bambear na trajetória errática dos primeiros anos do Capital Inicial, o vocalista Dinho Ouro Preto largou a banda por conta de uma série de divergências estéticas. Depois de tentar uma nova banda chamada Vertigo, lançou um disco que trazia apenas seu nome na capa e a produção eletrônica do paulistano Suba. Cheio de loops e climas espaciais, o novo trabalho era uma tentativa de se reposicionar na carreira e apontar para novos caminhos.

Muita coisa aconteceu de lá pra cá. A banda que trazia o DNA do punk brasiliense tentou um novo vocalista, que não deu muito certo, e encerraram os trabalhos de vez. No entanto, com um convite da MTV para gravarem um Acústico (2000), Dinho reassumiu o microfone que lhe era de direito e o Capital voltou ao primeiro time das bandas do rock nacional.

Oito discos depois desse retorno, o cantor de 47 anos decidiu aproveitar um intervalo entre a turnê Das Kapital e a preparação de material para o próximo disco do Capital (esperado ainda para este ano) e lançar Black Heart. Esta segunda incursão solo traz uma seleção de 12 canções internacionais, cantadas no idioma original, numa espécie de songbook emocional.

Com produção de David Corcos “O Marroquino e embalado num projeto gráfico elegante, Black Heart transita entre a comparação óbvia com as versões originais e a coragem de abordar bandas cultuadas como Joy Division (Love Will Tear Us Apart) e Smiths (There Is A Light That Never Goes Out). “Um disco de intérprete nunca vai ter a mesma relevância de um disco autoral. Isso faz com que eu o encare com uma leveza inédita”, relaxa Dinho em breve entrevista por telefone.

Comentando que tem em casa a discografia praticamente completa de cada um dos seus homenageados, Dinho faz questão de reafirmar o quanto conhece de rock. “Antes eu era bastante xiita, só ouvia rock pesado, depois só punk, depois só gótico. Hoje, tudo que faz parte do universo rock and roll me interessa”, explica ele depois de tecer muitos elogios aos cearenses do Selvagens à Procura de Lei.

Segundo ele, a seleção de canções não deu trabalho. A ideia era abordar cinco décadas de rock internacional, desde os 1960 até os 2010. Nessa linha, Dinho vai de Suspicious mind, sucesso de 1969 na voz de Elvis Presley, até Steady As She Goes, que apresentou os Racounters de Jack White em 2006. No meio, as releituras acolchoadas por violinos (Jr Gaiatto) e vocais femininos (Lisa Pepineau) passam por Leonard Cohen (Hallelujah), The Cure (Lovesong), Muse (Time Is Running Out) e Patti Smith (Dancing barefoot). Pra confundir tudo, Black Heart encerra com uma surpreendente versão acústica de Being boring. “Pet Shop Boys é mais uma provocação, está ali para quebrar a regra”, explica em tom matreiro.

Planejando conciliar seu projeto solo com a agenda da banda, Dinho Ouro Preto avisa que nem de longe planeja deixar o Capital Inicial. “Acredito que todo mundo que trabalha em grupo sabe que isso envolve, em certa medida, certa renúncia. Em alguns casos, o cara sai da banda. Eu não quero sair do Capital. Ele está envolvido no meu corpo de um modo quase simbiótico”. Mas quando o assunto é uma inversão de papeis, no caso o Capital como uma influência para outras bandas, ele prefere deixar a modéstia falar mais alto. “Eu os ouço essas bandas desde muito tempo. A Patti Smith, por exemplo, eu ouço desde que tenho 13 anos. Possivelmente eles já estão entranhados em mim. Volta e meia um garoto se aproxima de mim dizendo que sou uma influência. Mas não sei se eu sou tão importante na vida deles como esses outros nomes são na minha”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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