“O bacana de ser artista é ser teimoso, no mais das vezes corajoso, muitas vezes completamente insano e com muita frequência se deveria ser absolutamente honesto e ético”. A definição está na última frase do making off do DVD A Dama Indigna, primeiro registro em áudio e vídeo da cantora e atriz paulistana Cida Moreira. Intérprete segura, pianista econômica, ela resume bem nessa frase como construiu uma carreira sólida e criativa ao longo dos últimos 30 anos, sempre à margem da indústria.

Começando pela teimosia, essa característica ficou bem impressa na conversa por telefone que ela teve com o Blog DISCOGRAFIA. Logo de cara, ao contrário do que explica no DVD, ela nega que A Dama Indigna seja um retorno ao estilo do seu primeiro disco, Summertime (1981). “A única coisa igual é que sou eu mesma. É uma cantora nova, um repertório novo. Essas coisas antigas não são parâmetros para mim. O Summertime é lindo, mas o nome é indigno”, explica ela em tom enfático. Ainda assim, perdão Cida, as semelhanças são muitas.

Assim como aconteceu na estreia, o novo disco segue o modelo “voz e piano”. Costurando canções com seu estilo teatral de interpretar cada palavra, ela montou o espetáculo A Dama Indigna em 2009 com 22 músicas. No ano seguinte, registrou 15 delas no disco lançado no primeiro pacote da gravadora Joia Moderna. Mais um ano e o mesmo show vira um DVD que “calhou” de ser nos 30 anos de carreira de Cida Moreira. “Eu não faço um disco pra comemorar. Meu jeito de trabalhar é o contrário, a música vem antes do comércio”.

Mais que uma simples apresentação de músicas, A Dama Indigna capta a artista no seu habitat natural, o palco. Usando detalhes da iluminação e dos econômicos elementos cênicos, ela dá a cada som de voz e piano uma importância maior. “Eu tenho muito bom acabamento no que eu faço. Não sou uma cantora de disco. O DVD da Dama ta sendo muito importante por que mostra minha música no palco”, confirma ela, que não tem pudores na hora de escolher repertório.

Foto: Agnaldo Rocha

Sem se preocupar em explicar ou confundir, ela mistura épocas, estilos e intensões, adaptando tudo ao próprio universo. Dessa quase insanidade, ela vai da recente Back to black, de Amy Winehouse, à Maior que o meu amor, gravada por Roberto Carlos em 1970. Indo fundo no baú de memórias, Sou assim, composição de Toquinho e Gianfrancesco Guarnieri gravada por Marlene na trilha sonora da peça Botequim (1973), caiu como uma luva nas notas rasgadas da paulistana. De Chico Buarque, compositor a quem dedicou um espetacular songbook em 1993, ela aumenta a densidade de Uma canção desnaturada, pinçada da Ópera do Malandro (1979).

Se parece estranho que uma cantora com 30 anos de carreira tenha menos de 10 discos, para Cida Moreira esse número está suficiente. Talvez tivesse gravado mais uns quatro, nas próprias contas. “Acredito que eu tenha conseguido uma carreira muito sólida. Se eu não fiz mais, é por que não quis”, afirma. Agora, seu plano é se voltar para a obra dos novos compositores – Hélio Flanders (Vanguart) e Thiago Pethit entre eles. Sem querer se apegar a modismos ou renovar o próprio repertório, ela apenas vê nesse próximo projeto uma forma de contar as próprias verdades, ser honesta com a própria história e dar início aos seus próximos 30 anos de carreira.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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