Recentemente, Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) provocou reações diversas com o lançamento do seu disco solo Black Heart. Pinçando clássicos do rock de diferentes épocas, houve quem achasse corajoso de sua parte e quem lhe jogasse pedras por tocar em canções sagradas de Leonard Cohen e Smiths. Quase sempre, essa a resposta a artistas compositores que enveredam por reler o trabalho dos outros. Ainda assim, esse momento de parada na própria caneta para buscar novas referências é algo que já fez parte da carreira de muita gente, de Djavan a Patti Smith.

Sem medo dessas críticas, Macy Gray também acaba de jogar suas fichas em um disco de covers, batizado simplesmente de Covered (Lab 344). A americana, que há 13 anos milita numa linha entre o soul e o pop, botou seus miados cheios de personalidade a serviço de um repertório plural e longe dos sucessos mais óbvios. Com essa escolha, o sexto disco da artista acaba pegando os desavisados de surpresa, que em muitos momentos nem percebem se tratar de um disco de regravações. Como quem tirou um momento para se divertir gravando o que gosta, Macy ainda enxertou seu disco vinhetas curiosas onde recebe amigos para discutir temas variados.

Produzido por Hall Willner, Zoux e Macy Gray, Covered tem tudo o que um disco de inéditas da cantora teria. Desde o frescor de canções despretensiosas até flertes com o rap e a dance music. Das 10 canções escolhidas para compor o disco, a mais conhecida é a balada Nothing else matters, do Metallica. Se o peso dos metaleiros vai embora na releitura, pelo menos o clima soturno permaneceu. Mas soturno mesmo é o arranjo de Here comes the rain again, bem melhor inclusive que o original de 1983 com a dupla Eurythmics. Sem ter um critério muito claro sobre sua seleção, Covered traz ainda versões para Arcade Fire (Wake up), Radiohead (Creep), Yeah Yeah Yeahs (Maps) e My Chemical Romance (Teenagers).

Cantando Beatles

Outra forma bem popular de fazer covers é selecionar canções dos Beatles e jogar um molho próprio por cima. O mundo inteiro já fez isso. Agora chegou a vez de Roberta Flack. Há mais de uma década sem lançar material inédito (seu último álbum foi o natalino Holiday, de 2001), a intérprete da inesquecível Killing me softly with his songs está de volta com Let it be Roberta, songbook lançado pela 429 Records que chega ao Brasil também com edição da Lab 344.

Com 75 anos recém completados, a cantora americana continua com a voz firme e afinada como sempre foi. E esse é o grande trunfo da sua homenagem aos rapazes de Liverpool. Para confirmar sua identificação com a banda inglesa, ela ilustrou o encarte com uma foto ao lado de Lennon e da nefasta Yoko Ono, e encerrou o trabalho com uma pungente gravação ao vivo, de 1972, somente ao piano, de Here, there and everywhere.

As demais 11 faixas, todas em regravações inéditas, já são bem conhecidas de quem gosta de ouvir Beatles. De novidade está o estilo Roberta Flack, que balança entre o soul, o jazz e o pop radiofônico. Oh Darling é o destaque, exprimindo essa fusão num blues lânguido e sofisticado, que lembra Billie Holiday. A produção a dez mãos, feita por Sherrod e Jerry Barnes, Barry Miles e Ricardo Jordan sob supervisão da própria Roberta, procurou dar um ar de modernidade que, como sempre, tem lá seus riscos. É o caso da batida dance jogada sobre I should have know better.

Mesmo que seja difícil dar ares de novidade em um tributo aos Beatles, Let it be Roberta tem seus bons momentos. É o caso de Isn’t it a pity, composta por George Harrison (sem os devidos créditos) para seu solo All things must pass. Respeitando o clima etéreo e reflexivo da canção, a cantora faz bonito. O mesmo pode ser dito da apaixonada If I fell, cantada com uma pegada meio Rythm and blues. No fim, são quase 50 minutos que mostram que Roberta Flack não precisa de modernismos para provar a boa cantora que é.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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