Rainha do Rock é uma das expressões mais comuns quando o assunto é Rita Lee. Mesmo que sua voz esteja mais pra João Gilberto que pra Janis Joplin, e que seu peso esteja algumas toneladas abaixo de um Sepultura, a história lhe conferiu tal nobreza. Mais ainda quando se observa a quantidade de novas candidatas ao posto que citam a cantora dos cabelos vermelhos como uma influência. Seja pelo trabalho seminal com os Mutantes, seja pela pop sacana ao lado do maridão Roberto de Carvalho (36 anos casados), ela sempre atraiu olhares para o que está fazendo no momento.

E neste momento o que Rita Lee está fazendo é o lançamento do disco Reza, seu primeiro de inéditas depois do criativo e refrescante Balacobaco (2003). A forma escolhida para divulgação do novo trabalho não poderia ser mais peculiar. Começou em janeiro, quando ela anunciou que se aposentaria dos palcos para se dedicar apenas às gravações em estúdio. O motivo: problemas de saúde. Em seguida, uma performance sui generis em Sergipe, que se encerrou com a prisão cantora por desacato à autoridade. O motivo: ela resolveu xingar publicamente os policiais que, segundo a própria, teriam agredido fãs que estavam usando maconha. Claro, para alguém que ostenta o lábaro de Rainha do Rock, sair de cena num camburão da polícia é uma ótima forma de mostrar que ainda merece o cetro e a coroa.

Ainda mais sem coletivas para a imprensa ou entrevistas tête-à-tête (somente por email, seja qual for o veículo), Rita Lee vem agora para fazer o Brasil conhecer sua Reza. Seja isso roquenrol ou não, ela já teve uma boa ajuda da novela global Avenida Brasil que inclui na sua trilha sonora a canção título. Mais uma filha da safra inesgotável da dupla Rita e Roberto, a balada blues traz uma oração bem ao estilo da artista que busca afastar tudo que é mal olhado, gato preto ou azar.

Produzido por Roberto e Apollo 9, Reza (que quase ganha o nome de Macumbinha) é uma espécie de Balacobaco Volume 2, principalmente pela ponte firme entre o pop, o rock e outros sons que rondam a cabeça encarnada de Ritinha. É o caso da sensual e jazzística Rapaz, onde a cantora usa e abusa das notas mais graves para assumir o papel de dominatrix e convidar seu amante para uma viagem ao Tibet ou ao “cafundós do Judas”. Já a derradeira Pow, é uma sucessão de sons eletroeletrônicos jogados meio a esmo que faz lembrar Revolution 9, dos Beatles.

Esta última justifica a presença de Apollo 9, nome quase sempre ligados aos sons eletrônicos¸ que também pode ser sentida em outras faixas. É o aso de Tô um lixo, pérola pop, que, não fosse a letra meio deprê (“eu vivo pelos cantos feito bicho, eu to um lixo”), poderia estar em um dos solares trabalhos dos anos 80. O paulistano também mostra serviço na lírica Divagando, uma ode ao descompromisso e à marcha lenta.

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No entanto, Reza também tem seus momentos de batida mais pulsante. Vidinha é um rock turbinado pelas baquetas de Iggor Cavalera com letra que é uma espécie de carta endereçada aos politicamente corretos. Depois de anunciar que “faço terapia, malho todo dia, pratico yoga, não tomo mais drogas”, ela dispara “vidinha besta, vidinha furreca, vidinha chinfrin, vidinha de merda”. Também acelerada, a ramoniana As loucas já foi dedicada por Rita Lee à presidente Dilma.

Mesmo com Reza recém lançado, Rita Lee já está com um novo projeto no gatilho. Trata-se de Bossa’n’movies, onde a artista vai fazer releituras de clássicos do cinema americano com batida bossa nova. Depois disso, não se sabe se virá uma volta aos palcos (bem provável), um novo disco de inéditas (deve demorar) ou participações em discos de amigos (sempre raras). Certo somente que, o que ela fizer, terá o público ou a polícia esperando. Venha o que vier, ela já diz em Pistis Sofia, única faixa não inédita do disco novo: “a eternidade tem seu preço. Pois o céu que me ajude me dando sorte e saúde”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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