Grupo cearense Quantro Ases e Um Coringa

Nunca houve uma gravadora no Ceará. O mais perto que se chegou disso foi no final da década de 1950, quando foi inaugurada na Rua Barão do Rio Branco, 829, o escritório da Gravadora Iparana, que estreou com um compacto duplo que trazia a toada Tudo se acaba (Mário Filho) e o samba-canção Tão só (Milton Santos/ Olavo Barros), ambas interpretadas por Joran Coelho. Abençoada pelo padre Tito Guedes, a iniciativa foi fruto do sonho de Milton Santos, que registrava as músicas no estúdio da Ceará Rádio Clube e levava a matriz de acetato para prensar em Recife, na gravadora Rozenblit.

Ou seja, a necessidade de viajar para se ter um disco gravado só acabou com a chegada dos programas de computador que transformaram boa parte dos quartos de dormir em novas gravadoras. Até antes disso, só mesmo se deslocando para outros estados, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo. Foi assim com Raimundo Ramos de Paula Filho (1871 – 1916), o Ramos Cotoco (apelido dado por que lhe faltava um braço), primeiro cearense a sair do Estado para gravar um disco. O feito aconteceu em 1908 e resultou em oito canções. Antes dele, a maior parte da produção alencarina da época ficou registrada apenas em partituras.

Depois de Ramos Cotoco, outros também se aventuraram a correr atrás de ter suas músicas em um bolachão de cera. Caso de Mozart Ribeiro que registrou Miss Ceará, uma parceria com o pernambucano Pierre Luz, radicado em Fortaleza. A valsa era uma homenagem a Maria Nazareth Silveira, vencedora do concurso de beleza com mais de 10 mil votos. A canção foi registrada num 78 rotações por minuto (RPM) pelo cantor paulista Paraguassu (1874 – 1976). Só por curiosidade: Nazareth era irmã do jogador Lucídio, do Ceará.

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Nos anos 1940, foi a vez de nomes referenciais da música cearense começarem a compor juntos e gravar. Falo de Lauro Maia (1912 – 1950) e do músico Zé Menezes. No caso do primeiro, já morando no Rio de Janeiro nessa década, ele teve composições interpretadas pelo grupo cearense Quatro ases e Um coringa. Apesar de também ter se formado na Cidade Maravilhosa, o quinteto tinha os irmãos Evenor, José e Permínio Pontes de Medeiros, mais André Batista e Esdras Guimarães. Todos cearenses. Antes conhecidos como Conjunto Cearense, Demócrito Rocha sugeriu que eles passassem a adotar o nome de Quatro ases e Um melé, depois modificado para Quatro ases e Um coringa, agora por sugestão de João Dummar, quando soube que o grupo iria se apresentar na Rádio Mayrink Veiga. Melé não era uma expressão conhecida no Sudeste.

Passando por várias formações, o grupo Quatro ases e Um coringa teve uma vida longa de carreira e gravações. A primeira delas pela Odeon, uma das mais importantes gravadoras da época, num compacto duplo de 1941 que trazia Os dois errados (Estanislau Silva/ Álvaro Nunes/ Nelson Trigueiro) e o samba Dora meu amor (Constantino Silva/ André Vieira). Enquanto isso, ainda no Rio de Janeiro, Lauro Maia começou a fazer música com o também cearense Humberto Teixeira (1915 – 1979), que rendeu, entre outras, Bati na porta, Seu erro não tem perdão e Trem ô lá lá.

Uma década depois, foi a vez do baião tomar conta do Brasil. Mesmo que seu principal porta voz tenha sido um pernambucano, o saudoso Luiz Gonzaga (1912 – 1989), as letras de Humberto Teixeira tiveram papel fundamental nessa história. Lançado em 1946, também pelo Quatro ases e Um coringa, a música-bandeira Baião vinha com os versos que diziam “Eu já dancei balancê, xamego, samba e xerém. Mas o baião tem um quê que as outras danças não têm”. Três anos depois, com o velho Lua deu a ela uma gravação definitiva.

Tempos depois uma nova geração começou a surgiu a partir de uma fusão ampla de estilos, do rock ao maracatu. Sem limites poéticos e estéticos, foi a vez de Fagner, Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti e outros mostrarem seu som. Lançando trabalhos emblemáticos como Manera Fru Fru Manera e Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem, a geração conhecida como Pessoal do Ceará ainda precisava do Sudeste para lançar seus discos. O mesmo aconteceu com o coletivo Massafeira, de 1980, que levou um time de cerca de 40 artistas cearenses para gravar no estúdio carioca da CBS.

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Com a facilidade da tecnologia e a abertura de estúdios em Fortaleza, uma nova geração de músicos pode gravar e lançar seus discos sem precisar se deslocar tanto. É o caso de Ricardo Black com Samba do metrô amor, Paula Tesser e Valdo Aderaldo com Retratos do vento, e ainda Isaac Cândido, David Duarte, Kátia Freitas e muitos outros. Em alguns casos, o trabalho precisou ser finalizado (mixagem e masterização) fora daqui. No entanto, a cada ano, mais qualidade os equipamentos locais vão ganhando, e resultando em discos cada vez mais afinados com seu tempo.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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