Em 1972, o Brasil ainda vivia anos de dureza com os militares ditando cegamente o que podia e o que não podia ser feito. Vivendo sob o signo do medo e da repressão, eram tempos sisudos, sérios e tristes. Sorte de quem podia se expressar de alguma forma. Esse era o caso de uma turma que se encontrava numa das esquinas de Minas Gerais para cantar, tocar e compor. Batizados simploriamente de Clube da Esquina, aqueles garotos tinham um dom natural para criar melodias sofisticadas, ricas e intrincadas, cheias de beleza e detalhes preciosos.

Beto, Flávio, Wagner, Bituca, Salomão, Márcio, nada mais que amigos dispostos a criar uma música própria, que misturava um pouco do rock inglês, da Bossa Nova e do folclore mineiro. Bituca, que já tinha alguns discos gravados e alguma experiência em festivais, virou um polo agregador da turma e, naquele ano, assinou junto com Salomão um dos discos mais importantes da história brasileira.

Bituca é Milton Nascimento e Salomão é Lô Borges. Já o disco não poderia ter outro nome, senão Clube da Esquina. Apesar de ser creditado apenas aos dois, a ficha técnica prova que o disco era muito mais, era um retrato daquela saudosa esquina mineira. Era também o retrato de uma juventude angustiada por falar. Falar sem medo. Símbolo da sofisticação pop, o Clube da Esquina é um marco que gerou outros marcos e, por isso, nunca foi esquecido. Logo na capa, uma dupla de garotos parados sobre um barranco, está um prato cheio de signos, ícones e símbolos semióticos, que, mesmo se explicados, seriam compreendidos apenas em parte.

A melhor forma de entender o Clube da Esquina é mesmo o ouvindo. O piano enfurecido em Um girassol da cor de seu cabelo, a voz oratória de Milton em Tudo que você podia ser, a languidez de Alaíde Costa abençoando Me deixa em paz. Tudo está exatamente onde deveria estar. São 21 faixas que parecem ligadas entre si por um desejo de penetrar ouvidos com poesia. Tão transgressor quanto Leila Diniz, tão moderno quanto os Rolling Stones e tão inesquecível quanto Charles Chaplin, o que aquela turma de mineiros fez em 1972 nunca vai ser apagado.

Faixas de Clube da Esquina (1972):

1. Tudo Que Você Podia Ser (Lô Borges/ Márcio Borges) 2:56
Interpretação: Milton Nascimento
2. Cais (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) 2:45
Interpretação: Milton Nascimento
3. O Trem Azul (Lô Borges/ Ronaldo Bastos) 4:05
Interpretação: Lô Borges
4. Saídas e Bandeiras nº 1 (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 0:45
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
5. Nuvem Cigana (Lô Borges/ Ronaldo Bastos) – 3:00
Interpretação: Milton Nascimento
6. Cravo e Canela (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) 2:32
Interpretação: Lô Borges e Milton Nascimento
7. Dos Cruces (Carmelo Larrea) 5:22
Interpretação: Milton Nascimento
8. Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (Lô Borges/ Márcio Borges) 4:13
Interpretação: Lô Borges
9. San Vicente (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 2:47
Interpretação: Milton Nascimento
10. Estrelas (Lô Borges/ Márcio Borges) 0:29
Interpretação: Lô Borges
11. Clube da Esquina nº 2 (Milton Nascimento/ Lô Borges/ Márcio Borges) 3:39
Interpretação: Milton Nascimento
12. Paisagem da Janela (Lô Borges/ Fernando Brant) 2:58
Interpretação: Lô Borges
13. Me Deixa em Paz (Monsueto/ Ayrton Amorim) 3:06
Interpretação: Alaíde Costa e Milton Nascimento
14. Os Povos (Milton Nascimento/ Márcio Borges) 4:31
Interpretação: Milton Nascimento
15. Saídas e Bandeiras nº 2 (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 1:31
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
16. Um Gosto de Sol (Milton Nascimento, Fernando Brant) 4:21
Interpretação: Milton Nascimento
17. Pelo Amor de Deus (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 2:06
Interpretação: Milton Nascimento
18. Lilia (Milton Nascimento) 2:34
Interpretação: Milton Nascimento
19. Trem de Doido (Lô Borges/ Márcio Borges) 3:58
Interpretação: Lô Borges
20. Nada Será Como Antes (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) 3:24
Interpretação: Beto Guedes e Milton Nascimento
21. Ao Que Vai Nascer (Milton Nascimento/ Fernando Brant) 3:21
Interpretação: Milton Nascimento

>> Um Girassol da cor do seu cabelo (Lô Borges/ Márcio Borges) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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