Já virou uma constante entre alguns colegas de geração intercalar discos de estúdio com discos ao vivo. É assim com Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Gilberto Gil e outros. O hábito, que já atinge também alguns nomes mais novos, quase sempre é uma “sugestão” das grandes gravadoras e se explica pelo fato dos DVDs terem um apelo maior no mercado do que os velhos CDs.

Seguindo nessa linha, Na carreira é o novo pacote de CD duplo, DVD e blu-ray de Chico Buarque, fruto de uma parceria da gravadora Biscoito Fino com o Cana Brasil. Gravado em fevereiro deste ano no Vivo Rio, trata-se do registro da turnê do disco Chico, lançado em 2011 também pela gravadora Biscoito Fino. Elogiado como um dos melhores momentos musicais do carioca nos últimos tempos, Chico, o disco, prima por uma delicadeza e por uma singeleza que há tempos andava meio morna. Muito da inspiração para esse trabalho vem sido atribuída a um suposto relacionamento do compositor com a cantora Thaís Gulin, coisa que nem ele nem ela assumem.

De fato, explicações ou satisfações sobre a vida a pessoal é algo que há tempos não faz parte da lista de prioridades de Chico Buarque. Aliás, nem entrevista ele faz mais muita questão de dar. Com 68 anos de vida e quase 50 de música, o cantor e compositor é tido como uma unanimidade não burra para uma boa fatia dos apreciadores da MPB. Mesmo aqueles atos que seriam interpretados como antipatia se partissem de outra pessoa – como entrar e sair sem falar com ninguém –, quando partem dele são traduzidos como charme ou timidez. Foi assim quando o espetáculo Chico passou por Fortaleza no primeiro semestre de 2012. Até aquele gesto mais discreto do artista sempre vinha seguido de aplausos e mais aplausos.

Mas, verdade seja dita, a obra construída por Chico Buarque o redime de qualquer pecado. No ao vivo Na carreira, todas as 10 canções de Chico (o disco) estão presentes, quase que na mesma sequencia. Cheio de lirismo e economia, esse repertório é uma declaração de amor (para Thaís?) que se equipara aos seus melhores momentos do passado. Coisas como Querido diário, Tipo um baião, Sou eu e Essa pequena são novidades que podem, futuramente, estar sentadas confortavelmente ao lado de Eu te amo, Construção e Homenagem ao malandro.

Capa do CD

Mas, como faz parte da regra dos DVDs, Na carreira traz outras 20 faixas que costuram seu passado glorioso. Estão ali o trovador, o amante, o político e o malandro, todos apresentados por alguns lados Bs e muito enormes sucessos. De inédito apenas duas faixas. A primeira é Rap de Cálice, uma adaptação do paulistano Criolo para a engajada Cálice, composição de Chico com Gilberto Gil naqueles Anos de Chumbo. A segunda é Tereza da Praia, canção de Tom Jobim (1927 – 1994) e Billy Blanco (1924 – 2011), interpretada em dueto com o baterista Wilson das Neves.

Na carreira também relembra grandes momentos de Chico no cinema e no teatro. A violeira, por exemplo, é uma dessas de eu feminino, feita em 1983 em parceria com Tom Jobim para o filme Para viver um grande amor. Já Teresinha foi feita para a peça Ópera do Malandro e ganhou interpretação definitiva com Maria Bethânia (e os Trapalhões, é fato). Do mesmo espetáculo, O meu amor é outro sucesso da baiana, que na voz do autor ganhou leitura mais intimista. Para encerrar o show, Chico Buarque escolheu Na carreira, uma de suas mais belas parcerias com Edu Lobo, registrada no Grande circo místico. Eis que é nesse momento que ele tropeça na letra gigantesca, baixa a cabeça e ri. “É muita letra, gente”, explica desconcertado. Sem problemas. A plateia, mais uma vez, vem abaixo em aplausos.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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